quinta-feira, 27 de abril de 2017

Após seis anos, Netuno ainda faz suas vítimas

Amadeu Roberto Garrido de Paula

As tempestades marítimas sempre foram implacáveis. A literatura do século XIX foi pródiga em narrar o terror dos demônios dos mares. Victor Hugo as trouxe à consciência dos que não a sofreram. A embarcação segue sua trilha sem estremecimentos. Repentinamente, o negrume toma conta de todos os pontos cardeais. Os ventos sibilam como nunca. As ondas tremem cada vez mais furiosamente. Os capitães experientes conhecem o inimigo terrível e procuram meios de salvação. Porém, do fundo dos mares emergem forças descomunais, que não deixarão sobreviventes.

Depois de séculos, o atroo dos mares deixou seu confinamento e abalou as praias e as terras. O monstro que foi denominado tsunami pelos japoneses. Nada ficaria em pé e seus reflexos abalariam a cega confiança do mundo ocidental na energia atômica, a partir de Fukushima Dalichi. Depois de seis anos, tempo para esquecimento, o tremor dos mares agora engolfa a política nipônica. E foi dado o recado paradoxal dos senhores mitológicos: as usinas nucleares da Alemanha, por exemplo, estão abandonadas. O Brasil ainda tem ilusões temerárias.

Num País muito da distante da licenciosidade do Brasil, os dirigentes políticos devem ser exemplares. E um grande peixe morreu pela boca. O Ministro da Reconstrução do Japão, Masahiro Imamura, caiu numa infelicidade inexplicável, ao dizer que "ainda bem que o Tsunami não abalou Tóquio." Inominável ofensa aos mortos e feridos do nordeste da ilha nipônica, onde não há perdão para as incontinências verbais. Custou-lhe o cargo. Custa crer que essa imprevidência tenha atacado um homem de setenta anos. Por isso é que até hoje devemos temer os segredos dos oceanos. Em suas profundezas residem monstros e fantasmas vikings, só aparentemente adormecidos.

As famílias das vítimas, nacionais e internacionais, não perdoariam o governo japonês. Num País onde quem erra não tem retratação. Paga-se caro, como pagou o Ministro da Reconstrução, por uma declaração equivalente a uma borrasca. As forças descomunais do tsunami adormeceram, mas seus tentáculos ainda encrespam até mesmo a política, que não é imune à fúria da natureza.


Amadeu Roberto Garrido de Paulaé Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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