Amadeu Roberto Garrido de Paula
É o que vemos brotar de propostas governamentais. Há um vezo de economistas no sentido de brigar com os juristas. Estes são comprometidos com a Constituição, os tratados internacionais, o sistema normativo como um todo. Aqueles querem o desenvolvimento, o crescimento econômico. Pouco importam as normas. No tempo do regime de exceção, em que o Judiciário nada podia, economistas deitaram e rolaram no Brasil. Nada construíram definitivamente, como se vê.
Causa perplexidade ver como direitos fundamentais, como os direitos inerentes à seguridade social (saúde, assistência e previdência), são mexidos e remexidos pelo Executivo e o Parlamento, sem dar-se a mínima atenção à sua fundamentalidade. São direitos que, na seara social, uma vez criados, não podem ser retirados pelo Estado. Trata-se da proibição de retrocesso. A doutrina é abraçada pelo constitucionalismo brasileiro, destacando-se, na defesa do princípio, entre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso e vários outros. No constitucionalismo português, pelo magistério de J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda. No direito alemão, por Hans Friederich Zacher ("Das sociale Staatsziel") e outros.
Não se confunda a proibição de retrocesso com irretroatividade, em que o legislador e o administrador tem de respeitar a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Nem com cláusulas pétreas, que não podem ser alteradas por emendas constitucionais e estão expressamente consignadas no texto da Constituição.
O princípio não admite a retrocessão em matéria de direitos sociais. São direitos que, em última análise, comungam com o mais fundamental de todos os direitos, o direito à vida. Todos sabem que vivemos numa sociedade altamente injusta, em que uma grande maioria vê-se privada do mínimo necessário à vida com dignidade. Daí a necessidade de proteções estatais, por meio de prestações, como são os benefícios securitários em geral (o direito à saúde, a assistência social e as instituições de cunho previdenciário).
É nessa gama de direitos fundamentais que o Ministro da Fazenda e o Presidente Temer pretendem promover alterações, sem nenhuma preocupação jurídica. As propostas vão e voltam, fala-se de compromissos congressuais para manter a governança, e esquecem-se de modo absoluto da soberania do outro Poder, do Supremo Tribunal Federal, que, numa única sessão, pode pôr fim a resultados de intermináveis discussões e seus reflexos midiáticos.
Neste alerta, embora tenhamos convicção, não queremos nos posicionar contra ou a favor da proibição de retrocesso e de suas possibilidades de relativismo. O que é necessário enfatizar é a nenhuma preocupação jurídica. Se leis que constituem a reforma, no todo ou em parte, caírem no Supremo Tribunal Federal, o que certamente acontecerá, todo um projeto poderá fenecer. O imenso tempo na jornada atlântica dos últimos tempos da política terminará em naufrágio. "Não combinaram com os homens", dir-se-á jocosamente. E nem é possível, porque o Judiciário não é órgão consultivo.
O Executivo Federal tem excelente oportunidade de conferir a posição majoritária da Suprema Corte Brasileira sobre o princípio da proibição de retrocesso. Em face de ações já ajuizadas, que questionam o procedimento da terceirização indiscriminada, face à dignidade da pessoa humana em seus valores imateriais ou espirituais, dado que sofre a ação do vento ao levar suas raízes do trabalho criativo e complemento do sentido do homem, poderia a Advocacia Geral da União ingressar com uma ação direta de constitucionalidade de lei originária de projeto da Câmara dos Deputados e constitucionalmente muito discutível. Mas, em nosso modo de ver, falta coragem a um governo que se diz e se quer democrático e humanista.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
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