segunda-feira, 24 de abril de 2017

Exemplo de ética e princípios

O “fair play”, o chamado “jogo limpo”, pode ainda ser encarado como um tabu no futebol. Em um universo extremamente particular e de ideais que, muitas vezes, caminham ali, no extremo entre o que é ético ou não – haja vista os constantes gritos homofóbicos que atormentam a CBF durante os jogos da seleção brasileira –, o zagueiro são-paulino Rodrigo Caio tornou-se o principal assunto dos noticiários na última semana ao se mostrar honesto com a arbitragem no clássico contra o Corinthians.

Pela exaustão do assunto, a história é conhecida. Em um momento de extrema tensão no confronto do domingo passado, válido pelas quartas de final do Campeonato Paulista, o defensor alertou o juiz de que o ex-atleticano Jô não teria encostado no goleiro Renan Ribeiro, livrando assim o adversário de um amarelo aplicado injustamente e que o tiraria do jogo da volta.

A hombridade do atleta, de imediato, arrancou múltiplos questionamentos, trazendo à tona justamente a dúvida sobre o que esse fato poderia mudar no comportamento de atletas pelo país afora. O goleiro do Cruzeiro Rafael e o zagueiro do América Rafael Lima deram suas opiniões. “Eu acho que foi um ato de grandiosidade. Não só no futebol, mas no nosso país. Precisamos de pessoas honestas. Vivemos uma situação no Brasil, na política, na sociedade, em que precisamos de mais exemplos como esse, para todo mundo, não só no ambiente do futebol”, comenta Rafael.

“Foi espetacular a atitude dele. Louvável. Um exemplo para nós, atletas, que precisamos ser mais corretos e honestos durante o jogo, porque a gente costuma reclamar dos árbitros, mas, às vezes, não contribuímos para o espetáculo e queremos fazer de tudo para vencer, mesmo que passando por cima de alguns princípios”, opina o defensor americano Rafael Lima.

Princípios. Em um Brasil totalmente sucateado pela corrupção, muitos qualificaram o gesto do zagueiro são-paulino como uma resposta ao comportamento deturpado de políticos, gestores públicos e privados. Porém, é necessário observar outros fatores, como explica o professor adjunto do departamento de Educação Física da UFMG, Juan Carlos Pérez. “No caso do Rodrigo, é perceptível que a atitude partiu muito mais da formação do ser humano, da bagagem que ele possui como pessoa, do que qualquer intuito de ser um exemplo para a sociedade”, explica o estudioso.

No entanto, o comportamento do indivíduo não desqualifica a função do esporte como uma espécie de reflexo da sociedade. “Não existe esta separação de que no esporte de alto nível pode tudo. Porque aí entramos em uma discussão muito mais delicada e que remete, principalmente, à educação física. O que um professor está ensinando para seus alunos na escola? Será que, por se tratar de esporte, vale tudo para vencer? Ou será que o esporte tem como intuito formar pessoas? O futebol está ligado ao país, e, por isso, muitos acreditam que a suposta malandragem do brasileiro está embutida no esporte”, questiona Pérez.
Congratulação. A ação de fair play de Rodrigo Caio recebeu elogios do técnico Tite. O treinador da seleção brasileira mandou uma mensagem parabenizando o são-paulino pelo ato de bom comportamento. Rodrigo foi campeão olímpico nos Jogos do Rio do ano passado e já foi convocado para defender a seleção principal sob o comando de Tite. No radar do técnico, ele tem chance de voltar a vestir a camisa amarelinha.
Mudança
“Sei que isso ainda é muito difícil de ser compreendido pelo torcedor. Mas, em algum momento, a cultura do errado tem que ser modificada no nosso futebol. Nós demos o primeiro passo de muitos.”
Giuliano Bozzano
Presidente da comissão de arbitragem da FMF
Malandragem
“Será que, por se tratar de esporte, vale tudo para vencer? Ou será que o esporte tem como intuito formar pessoas? O futebol está ligado ao país, e, por isso, muitos acreditam que a suposta malandragem do brasileiro está embutida no esporte.”
Juan Carlos Pérez
Professor adjunto da UFMG

OUTROS CASOS


Bola dentro:

Em 2012, quando atuava pela Lazio, Klose usou a mão para concluir a bola para o gol em partida diante do Napoli. Embora a arbitragem não tivesse visto a irregularidade, ele mesmo admitiu o toque, e o gol acabou anulado.

Em um amistoso no México, neste ano, um lance repercutiu na vitória do America sobre o Morelia por 2 a 0. O jogo estava 1 a 0 para os donos da casa quando o árbitro assinalou pênalti para o Morelia, que teria a chance do empate. Mesmo favorecido, o atacante Luis Gabriel Rey viu que a bola não bateu na mão do adversário, como indicado pelo árbitro, e se recusou a cobrar o pênalti.

Bola fora:

Contra o América, no ano passado, pela semifinal do Campeonato Mineiro, o técnico português Paulo Bento não permitiu o fair play do Cruzeiro, na devolução de bola ao time do Coelho. A atitude irritou o banco de reservas americano. O bate-boca contagiou os dois grupos que estavam à beira do gramado, e o clima esquentou.

Atitude elogiada por árbitros:

Giuliano Bozzano, presidente da comissão de arbitragem da Federação Mineira de Futebol (FMF), passou boa parte de sua vida profissional convivendo com as diferentes situações impostas a um juiz durante os 90 minutos de bola rolando. Defrontar-se com um gesto como o de Rodrigo Caio lhe traz um fio de esperança, principalmente para aplacar as constantes críticas que os donos do apito recebem.

“O árbitro, além de preocupar-se com as questões regulamentares do jogo, tem que ter atenção redobrada com o comportamento dos jogadores. Eles passam toda a partida tentando confundir o árbitro de todas as formas possíveis. Quando você vê um jogador, mesmo que em um lance isolado, priorizar a disputa limpa, dentro do que reza a prática esportiva, a gente fica feliz”, comenta o presidente.

Mas Bozzano sabe que, de fato, ainda é necessário um longo caminho para que a mentalidade do jogador mude. “Eu sei que isso ainda é muito difícil de ser compreendido pelo torcedor. O jogador (Rodrigo Caio) mesmo recebeu inúmeras críticas de seu próprio time. Mas, em algum momento, a cultura do errado tem que ser modificada. Nós demos o primeiro passo”, completou o presidente da comissão de arbitragem da FMF.

Cartão verde. Na Copa Verde de 2017, atitudes como a de Rodrigo Caio são reconhecidas por meio do cartão verde, novidade do torneio com o intuito de premiar ações a favor do jogo limpo. Até agora já foram aplicados dez cartões verdes. “Qualquer coisa que possa incentivar o atleta a praticar atos de fair play é válido. Espero que isto seja prática em outras competições”, diz Bozzano.

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