Mirella Ferraz, 34, conta que sua mãe jura, de pés juntos, que a primeira palavra dita por ela foi “sereia”. E não foi só isso. “A cada vez que ouvia a clássica pergunta ‘o que você vai ser quando crescer?’, minha resposta era sempre a mesma: ‘Sereia’”, rememora a moça. Sim, ela estava absolutamente convicta da vocação o tempo todo. E acabou se tornando pioneira em adotar a moda do sereísmo no Brasil – hoje, já contabiliza dez anos como sereia profissional – de cauda, coroa de conchas e tudo o que for preciso para se transmutar no ser místico.
Ela tem navegado numa onda que vem se fortalecendo no Brasil e no mundo. A cada dia, os olhos da indústria e da mídia têm se voltado para a mística imagem da mulher com cauda de peixe que há milênios exerce fascínio entre os homens. Produtos fashion, novelas, livros e filmes abordam esse universo, seus mitos e símbolos. Aqui no Brasil, a principal emissora do país aborda a lenda em horário nobre. Em “A Força do Querer”, a personagem principal Ritinha, vivida pela atriz Ísis Valverde, é praticante do sereísmo.
Mirella, inclusive, foi a responsável por ensinar Isis a nadar como uma sereia para o papel. “O processo de preparação foi bastante intenso e focado. Durou três, meses e treinávamos quase todos os dias, de três a quatro horas. Ensinei também outras técnicas, como o mergulho ondulatório, em que as pernas estão sempre juntas e grudadas. É o mesmo nado que baleias e golfinhos fazem”, explicou.
O impulso da novela veio revigorar uma mania que já vem crescendo há algumas temporadas e agora atinge seu ápice. Só neste ano, marcas como Farm, Imaginarium e O Boticário, assim como redes de departamentos como Renner e Zara, criaram produtos inspirados no universo do fundo do mar. Não bastasse isso, as passarelas internacionais já passearam pela tendência – a grife Chanel, aliás, foi a pioneira.
Indo um pouco mais além, marcas como Sirenita lançaram, recentemente, caudas de sereia e de tritão para serem usados na água. No que depender da novela, estima-se que mais lançamentos e modismos vão invadir o mercado, principalmente pelos elementos explorados no figurino da protagonista – incluindo, aí, muitas conchas e búzios. Outros lançamentos previstos, como filmes e seriados, também fortalecem a influência deste universo.
Mais que moda, um estilo de vida. Mirella Ferraz conta que começou a ser adepta do sereísmo antes mesmo de o termo se disseminar. Desde então, participa de grupos na internet que exploram a tendência – mesmo assim, ainda acredita que é tudo muito novo e tímido no Brasil. “O sereísmo, na verdade, pode ser traduzido como um estilo de vida. Digo que ele reflete esse sentimento das pessoas que estabelecem essa ligação mágica com a água, com o mar e com os animais marinhos. E, claro, define as pessoas que são fissuradas pelo mito das sereias e que querem incorporá-lo em suas vidas, seja só usando roupas com essa temática, seja estudando o assunto ou indo mais além e transformando esse amor em profissão, como é o meu caso”, define.
O termo “sereísmo” foi criado em 2015 pela blogueira Bruna Tavares, que, ao lado de Camila Gomes, está por trás do site sereismo.com – espécie de manual online com dicas para quem quiser adotar a tendência. Segundo ela, a trama global foi mais um canal a divulgar o que o lifestyle prega e chama a atenção para o aspecto ambiental. “O estilo de vida é perfeito para quem é extremamente apaixonado por tudo o que envolve os oceanos e que é preocupado com a questão ecológica. Mas a essência do sereísmo também está associada à diversidade, ao misticismo e ao empoderamento, por causa da imagem forte da sereia”, argumenta ela. “Ainda acho que existe muita dificuldade por parte das pessoas em entender isso. Não é usar uma cauda, e sim levar tudo isso mais além”, finalizou.
Adepta do sereísmo na hora de montar o visual para sair, a designer de moda Raquel Ezagui, 30, adota elementos holográficos e estampas que lembram as escamas de peixe e as caudas de sereias, ‘além de pintar os fios de ruivo, como o da Ariel’. “Tento me vestir de várias maneiras para chamar atenção e trazer, para minhas roupas, um pouco da sensualidade e do brilho das sereias”, acredita.
Simbolismo. A personagem da princesa marinha, escrita por Hans Christian Andersen (1805-1875) e recriada pelo hoje já clássico “A Pequena Sereia” dos Estúdios Disney, já ganhou até releituras. Uma delas leva a assinatura da best-seller mineira Paula Pimenta, que flagra Ariel em um mood mais urbano e nos tempos atuais. O sucesso do romance foi justamente o simbolismo da sereia. “Além de a Ariel ser a princesa favorita de muita gente, as sereias também são mulheres poderosas. É um ser mitológico que é lindo e com cabelos maravilhosos, com um ar sensual e encantador”, defende a escritora.
Mirella faz coro. “A sereia é uma figura muito poderosa no que se refere ao feminino – e nem mesmo ao feminismo, pois ostenta sempre um espírito selvagem e livre. Não tem vergonha de ser mulher e mesmo de expor o peito nu. Muitas feministas dos dias atuais, aliás, praticam o topless em suas manifestações. Nos mitos as sereias já faziam isso há milhares de anos”, reivindica.
O Tempo
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