Amadeu Roberto Garrido de Paula
Não somos um povo escravizado em sentido estrito, assim como os hebreus no Egito e tantos outros subjugados pelas guerras passadas. Ninguém pode nos amarrar no tronco e lascar nosso lombo. Contudo, a maioria do povo brasileiro está desbussolada, sem crer no amanhã; amarga um estado de espírito coletivo terrível. Sim, um povo e um País podem acabar, ou entrar numa hibernação insensível de séculos, respondemos aos que não creem no fim. Se isso ocorrer, as últimas vítimas serão nossos filhos, netos e bisnetos. Ninguém pode assegurar, neste momento, que, em um século, as maravilhas que ainda colorem partes desenvolvidas do Brasil, não se apresentarão como depressivas ruínas, numa terra inteiramente arrasada.
Não falamos para provocar câimbras em toda a população, mas para sair imediatamente em busca da terra prometida, emergir deste País que, apesar de tudo, teve seus grandes filósofos, juristas, engenheiros cientistas, literatos, belos e grandiosos poetas etc. E ainda os têm, mas devemos seguir em direção a um horizonte aprazível, se quisermos sobreviver.
A entrevista do Presidente da República em rede de televisão, como de resto, sua conduta reiterada à frente de nosso drama político, tocou magistralmente em pontos que estão sendo abordados pelo governo. O problema é que não são os pontos cardeais para que vençamos a grande travessia. São picuinhas Se a previdência não for alterada, muitos municípios e estados sucumbirão, disse Michel Temer. Mas não se faz a necessária distinção entre previdência pública e privada. Na previdência pública, que gera um seleto grupo de pessoas que formam uma minoria no País, reside a crise de mais de 80% da Previdência. Esta não é provocada pelos homens de salário mínimo. Para deixar claro: uma vez nomeado por concurso, o servidor é vitalício, quase não pode ser cobrado pelo povão a quem deve prestar serviços, tem estabilidade vitalícia e se aposenta com vencimentos integrais. Introduza-se um único regime jurídico de trabalho no Brasil, sob os princípios do direito do trabalho, rediscutidos em pontos necessários. Porém, como esse fato nos exemplifica, falta coragem de entrar-se nas causas reais de nossos problemas.
Sem convencer, o Presidente procurou justificar sua sanção ao projeto vindo da Câmara, relativo à terceirização, sem considerar que o empregado que não é companheiro e auxiliar do empregador, por muito tempo e com empatia; prestará os piores serviços, em detrimento de sua realização como pessoa dos objetivos patronais e das expectativas dos consumidores. O Presidente vacilou, disse que não promulgaria o projeto da Câmara, promulgou, depois de ser pressionado por assessores - que são donos de empresa de terceirização...
Michel Temer destacou as virtudes da liberação das contas do FGTS inativas; que só renderam, ao longo de décadas, 3% de juros ao ano, índice inferior aos das cadernetas de poupança. De todo modo, lembra condutas tópicas da ex-Presidente Dilma, quando, ocasionalmente, beneficiava alguns segmentos econômicos, tal qual o automobilístico. Era aplaudida, sem nada fazer em defesa de nossa estrutura. Pode-se dizer o mesmo das esmolas sociais, que um Estado organizado dispensa.
Também, qual o significado estrutural de extinguir-se o imposto sindical, em relação às finanças públicas brasileiras? Tenta-se conter um grande incêndio com doses de uma discutível e inapropriada homeopatia. Extinguir a maioria de impostos, esses sim, que atingem nossos bolsos, nem pensar.
A inflação foi levemente contida, mas continua como uma das maiores do mundo e da América Latina, assim como a taxa de juros. Fórmulas do governo militar, com o PIS, o Prorural e o FGTS, foram medidas mantidas por todos governos que o sucederam - e aplaudidas, inclusive por Temer. Nada de novo, nada de criativo, no sentido de profundas mudanças nos dois únicos sentidos que podem nos indicar a travessia do Grande Mar: desenvolvimento com liberdade face ao Estado e igualdade em razoável escala entre os seres humanos que habitam esta porção da Terra. Livre iniciativa, progresso e justiça social. Dê-se ao regime a denominação que se queira.
E reforma política verdadeira, nem pensar. Em outras palavras, continuamos caminhando, convencidos da implacabilidade do destino, em nosso féretro.
O governo deposto e o que virá também não serão mais criativos. Algum deles fará com que a administração pública siga o regime trabalhista privado? Algum deles intervirá decisivamente na saúde pública e nos convênios saúde, ambos raladores de nossas chagas abertas quando somos acometidos de algum mal? E por aí se vai, não sabe, neste espaço cinzento, sem indicar soluções definitivas. Certamente não são as que vemos todos os dias, juntamente com as melancólicas notícias da Lava-Jato, em que só tomamos conhecimento de que fomos roubados, roubados, roubados... Proporão fim das reeleições, executivas e parlamentares?
Juristas de alta envergadura moral, Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias, inseridos num grupo de elevada estatura moral, propuseram uma Assembleia Nacional Constituinte. Delas não participaria nenhum político. Seus membros ficarão impedidos de serem políticos, por um bom prazo. Só estabelecerão os princípios, dentro dos quais as leis serão elaboradas. O STF será ágil e exclusivamente constitucional, inclusive com funções preventivas. As reeleições serão extintas, em todos os níveis e poderes. Os juízes dos Tribunais Superiores serão eleitos por seus pares, pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil e outras instituições que se destacaram em prol do bem nos últimos anos.
Ao ver do governo atual, do "stabilisment" e dos reformistas de fancaria, estas ideias - e outras, do mesmo timbre ético - são insólitas. Aventureiras. Salve a mesmice...
Como ponto inicial, propomos que, em todas as novas manifestações de rua, expressemos uma única mensagem: Constituinte Popular ou Constituinte sem Políticos. Propomos a elaboração, ainda que a ponto de estourar os neurônios de quem pode contribuir, sempre com o respeito às divergências e às boas sugestões, de uma nova Carta de Leis. Teremos, pelo menos, cumprido a obrigação política de nossa geração, antes que ela nada mais possa dizer.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.
Esse texto está livre para publicação.
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