quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Identificada área responsável por ‘vozes’ na esquizofrenia

Um passo importante foi dado no tratamento da esquizofrenia: pesquisadores franceses identificaram, no cérebro, a área exata associada à audição de “vozes”, muito comum entre os esquizofrênicos.
Essas alucinações auditivas, como também são conhecidas, atingem cerca de 70% dos pacientes, de acordo com a Universidade Caen, na França, responsável pelo estudo. O resultado foi apresentado no Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia, em Paris.
Na pesquisa, 26 esquizofrênicos foram expostos a um tratamento com estimulação magnética transcraniana (EMT). Outros 33 pacientes integraram o grupo de controle e receberam apenas placebo.
Para chegar a esse resultado, a equipe entrevistou os participantes seguindo um protocolo padrão — a escala de alucinação auditiva —, revelando as principais características das vozes que ouviam. Aqueles de fato tratados receberam pulsos magnéticos de alta frequência (20 Hz) em duas sessões diárias, em dois dias.
Guiados pelo exame de ressonância magnética cerebral, os cientistas direcionaram os estímulos para uma área do órgão localizada no lobo temporal que está associada à linguagem.
Duas semanas depois, os pacientes foram avaliados novamente, com o mesmo questionário padrão. Entre os tratados com a estimulação transcraniana, 34,6% tiveram melhora significativa, apresentando um decréscimo de mais de 30% na pontuação na escala de alucinação auditiva. Já no grupo do placebo, esse percentual foi de apenas 9,1%.
De acordo com o psiquiatra Anderson Weiber, professor da Faculdade Ipemed, em Belo Horizonte, muitas pesquisas atestando a eficácia do método para tratar condições neuropsiquiátricas foram feitas, mas ainda não havia evidências de que ele poderia beneficiar pacientes com esquizofrenia e alucinação auditiva. O médico destaca que essa técnica se torna importante por apresentar maior poder de eficácia e menor risco de efeitos colaterais, muito comuns nos outros tratamentos.
“Na maior parte dos casos, os medicamentos não combatem integralmente os sintomas e ainda provocam consequências físicas, como ganho de peso, dor de cabeça e até desenvolvimento de doenças como diabetes”, diz Weiber.
O especialista explica que a estimulação transcraniana já é utilizada para tratar algumas doenças neuropsíquicas, como a depressão. “Ela tem contribuído muito com a medicina psiquiátrica. É um grande passo para ajudar os pacientes a terem uma vida melhor”, afirma o médico.
Alucinação real. Para Pedro*, 28, a descoberta pode se tornar uma grande aliada para os portadores da doença. Ele começou a ouvir vozes aos 23 anos e foi diagnosticado com esquizofrenia há menos de um ano. “Era como se tivesse alguém do meu lado, tamanha a nitidez do que eu ouvia. A maioria dizia coisas para me denegrir, chamando-me de fracassado, inútil”, diz. Ele conta que parou a própria vida e passou a abusar das drogas como “fuga”.
“As vozes me diziam que eu estava sendo perseguido, era aterrorizante”, diz. Hoje, ele faz tratamento médico e tem uma rotina normal, incluindo um novo trabalho. “O resultado dessa pesquisa é uma esperança para quem sofre com a doença”, diz.

 

Teste pode detectar doença cedo

Cientistas brasileiros desenvolveram uma nova técnica que poderá ajudar no diagnóstico de casos de esquizofrenia na primeira consulta. Conforme divulgado na revista científica “Schizophrenia”, os pesquisadores sugerem que é possível medir objetivamente essa estrutura verbal em adolescentes portadores logo no primeiro contato clínico. O método se baseia em algoritmos capazes de analisar a fala dos jovens com sintomas iniciais da doença. Segundo os pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, o método antecipa o diagnóstico em seis meses, com 80% de precisão, e evita o uso de medicamentos inadequados.
Para isso, eles acompanharam crianças durante suas primeiras consultas em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil, em Natal, e gravaram cerca de 30 segundos das conversas. A partir delas, eles analisaram como as palavras se associavam, usando um software baseado na teoria dos grafos, ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos de um conjunto. Nesse caso, o algoritmo identificou a conectividade entre as palavras ditas por elas.
Após 180 dias, com o diagnóstico das crianças já definido, foi possível comparar as diferenças do discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia e testar a eficiência da técnica.
As crianças que foram diagnosticadas com esquizofrenia depois desse tempo falavam de uma forma bem menos conectada e menos complexa. Ao combinar três diferentes fórmulas utilizadas na medição, os cientistas criaram um algoritmo único – o índice de fragmentação da fala – que evidenciou o resultado.
Minientrevista
Pedro*, Operador de telemarketing de 28 anos, começou a escutar vozes aos 23 anos
Foram quase cinco anos ouvindo vozes antes do diagnóstico. Você atribuiu esse sintoma a algo que não fosse a esquizofrenia? Sim. Eu tinha um histórico de uso de drogas e achava que essas vozes eram efeitos dessa situação.
Qual foi a situação mais grave pela qual você passou? Foi quando passei dias trancado dentro do quarto, achando que estava sendo perseguido. Quando saí, foi para pegar uma faca e correr pela casa gritando para as vozes me deixarem em paz.
A esquizofrenia afeta sua vida social? Já perdeu emprego ou deixou de fazer algo?Afetava muito mais. Passei dois anos dentro de casa por acreditar que eu poderia ser morto se saísse de lá. Eu perdi o emprego e me afastei de amigos. Comprometi boa parte da minha faculdade nesse período.

* Nome fictício
O Tempo

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