O mundo do trabalho não será o mesmo com o desenvolvimento de tecnologias inteligentes. Realizado pelos professores da Universidade de Oxford Carl Benedikt Frey e Michael Osborne para o Citigroup, um estudo aponta que 63,9% dos empregos no mundo estão ameaçados pelas novas tecnologias. Outra pesquisa, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), diz que, na média, 57% das vagas de emprego estão suscetíveis à automação e robotização nos 34 países membros da organização.
O agravante, segundo o estudo da Oxford, feito em dez países de variados portes, é que nos países emergentes, o risco é maior. No Reino Unido, a pesquisa aponta 35% dos empregos em risco e 47% nos Estados Unidos. Na China, esses índices chegam a 77% e 85% na Etiópia. Isso ocorre porque a mão de obra nesses países está mais dirigida a indústrias, e a automação faz com que percam a vantagem pelo custo menor.
Mesmo nos países desenvolvidos os índices assustam. Segundo os professores norte-americanos, o ponto é que com a inteligência artificial, “tarefas não rotineiras são agora igualmente automatizáveis”. Eles citam o software da WorkFusion que desempenha o trabalho de rotina de escritórios e contrata freelancers para atividades “não rotineiras”. Além disso, o programa aprende com esses profissionais, que ficam cada vez menos necessários. Outro exemplo é o robô Baxter, da Rethink Robotics. Ele aprende novas habilidades ao ser treinado e pod“É difícil imaginar um setor que não vai ser impactado pelas tecnologias”, diz o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP), Cesar Alexandre de Souza. Exemplos não faltam. Os veículos autônomos podem eliminar taxistas e caminhoneiros, algoritmos desempenham um papel crescente no jornalismo e na advocacia, robôs oferecem informações em shoppings e hotéis – no idioma preferido – robôs fazem cirurgias e inteligência artificial detecta e repara tumores e anomalias cardíacas
Não é à toa que o próprio mercado de tecnologia está pensando nesses impactos. Em março, Bill Gates, fundador da Microsoft, defendeu a criação de um “imposto sobre robôs” para investimentos sociais voltados para as pessoas que perderão seus empregos para máquinas. A adoção de uma renda mínima também é defendida. “Introduzir uma renda básica ganhou recentemente força em vários países como uma ferramenta política para combater a pobreza e a exclusão”, diz Steven Tobin, economista sênior do departamento de pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) lançou em março o desafio global para estimular a geração de empregos, com premiação de mais de US$ 1 milhão.
“A sociedade vai ter que pensar soluções. Será como os créditos de carbono, que reduzem o impacto ambiental”, analisa César de Souza. “Estamos vivendo um novo ciclo tecnológico. O que acontece é a destruição de funções e depois surgimento de outros. No processo, é necessário criar um colchão social para a fase de turbulência”, afirma o professor Paulo Vicente da Fundação Dom Cabral.
OUTRO LADO
Futuro não é só insegurança
Muitas profissões poderão deixar de existir em função da tecnologia, mas segundo analistas, a tendência é que outras apareçam. “Os professores como conhecemos vão desaparecer, 90% deles perderão o emprego. Com inteligência artificial, realidade virtual e gamificação, não tem sentido um professor ensinar tabuada e equação para crianças”, sentencia o professor da Fundação Dom Cabral, Paulo Vicente.
Por outro lado, Vicente diz que outras carreiras surgirão. “Vamos precisar de monitores, de designers de realidade virtual, programadores. A tendência é que muitos empregos desapareçam, mas acredito que mais vagas surgirão no futuro”, tranquiliza o professor.
Para Steven Tobin, economista sênior do departamento de pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os desafios não devem significar que o “mundo do trabalho será aquele com menos garantias”, avalia Tobin.
“Governos, bem como os empregadores, os trabalhadores e as suas organizações, através de esforços nacionais, regionais e internacionais, terão de se concentrar nestes desafios no contexto do futuro do trabalho, com o objetivo de promover um trabalho digno para todos”, acrescenta Tobin. Ele ainda lembra que, além da tecnologia, a recessão econômica mundial também gera desemprego. (LP)
Matemática e ciência poderão ser insuficientes
Os analistas dos impactos da tecnologia no mercado de trabalho concordam que um diferencial no futuro será a capacitação e a capacidade de se adaptar. Um estudo da Universidade de Oxford mostra que a mudança não será apenas na quantidade de estudo. Ele aponta que, além de investir em ciência, tecnologia, engenharia e matemática, “habilidades não cognitivas podem ser cada vez mais importantes. Isso pode complicar a capacidade da educação de se adaptar ao ritmo que a mudança tecnológica precisa”, relata. “Os jovens precisarão dessa flexibilidade, capacidade de aprender coisas novas, todo o tempo, para se diferenciar”, diz o professor da FEA/USP Cesar de Souza.
“No tempo dos nossos pais, uma graduação era suficiente para garantir a carreira. Na nossa época, isso já mudou, é necessário uma pós-graduação, uma especialização. No futuro, será necessário mais do que isso, provavelmente um doutorado, além de atualização constante”, diz o professor da Fundação Dom Cabral Paulo Vicente. (LP)
MINIENTREVISTA
Steven Tobin, economista sênior da OIT
Quais os desafios do mercado de trabalho diante das novas tecnologias?
Embora o surgimento de novas tecnologias, como a robotização, seja um desenvolvimento importante, devemos estar cientes de como essas mudanças afetarão o trabalho, a quantidade de empregos e o valor do trabalho na sociedade. Não devemos apressar-nos a julgar. O impacto que essas mudanças podem ter não é claro nem homogêneo. O que sabemos é que os avanços tecnológicos passados não conduziram às perdas generalizadas do trabalho que muitos predisseram. Além disso, no caso da robótica, países já conseguiram incorporá-los sem comprometer o emprego, como na Alemanha e no Japão.Apesar dessas tendências, temos de continuar a fazer incursões para garantir que os ganhos econômicos a partir da tecnologia sejam compartilhados de forma equitativa.
Podem surgir novas oportunidades?
Novas oportunidades, novos tipos de ocupações e até novas indústrias surgem com a tecnologia. Alguns favorecerão os trabalhadores altamente qualificados, mas esses ganhos, se administrados adequadamente, terão efeitos positivos sobre o resto da sociedade. Temos que adotar uma abordagem prospectiva e melhorar a nossa informação sobre o mercado de trabalho.
O Tempo
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