segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Um grito silenciado pela violência: 19 anos do martírio da Irmã Dorothy

Camila Del Nero e Carol Lira  

Depois de quase duas décadas do assassinato da missionária norte-americana Irmã Dorothy, no dia 12 de fevereiro de 2005, por defender comunidades extrativistas, o direito à terra e a preservação da Amazônia, o legado da religiosa permanece vivo e representa a resistência que até hoje muitas lideranças e defensores da floresta em pé encontram contra fazendeiros, grileiros e madeireiros que desrespeitam os direitos das comunidades e insistem na destruição da Amazônia. O ativismo incansável da missionária a fez alvo de ameaças constantes, mas ela permaneceu firme em sua missão. 

O assassinato da Irmã Dorothy não foi um caso isolado, faz parte da triste realidade de violência, ameaças e assassinatos que milhares de defensores do meio ambiente e dos povos amazônicos enfrentam pelos rincões desse país. A luta pela preservação da floresta em pé ainda persiste, todos os anos defensores da Amazônia pagam com a própria vida pela defesa do direito à terra e ao território.  

A geografia da violência no Brasil escancara o fato de a Amazônia Legal, mais uma vez, estar na berlinda. A macrorregião, conforme os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), registrou 64,5% dos atos de violência contra a pessoa no ano de 2023, um número quase 40% maior do que havia sido registrado em 2021. Em termos de conflitos em geral, foram detalhados 1.107 casos no campo em 2022, dos quais a Amazônia representa 55% de todo o país. O número é o segundo maior já registrado pela CPT, ficando atrás apenas de 2020.  

Hoje, 19 anos após sua morte, o legado da irmã Dorothy permanece vivo. Sua coragem e determinação inspiram aqueles que continuam a lutar por justiça social e ambiental. Muitas organizações e comunidades na Amazônia seguem o exemplo dela, resistindo às pressões destrutivas e buscando um equilíbrio sustentável entre a preservação ambiental e o desenvolvimento humano. 


Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu e ex-presidente da Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM-Brasil), conviveu com Dorothy e recorda “antes de ser assassinada, Irmã Dorothy abriu sua sacola de pano, cumprindo “ordem” de seus algozes que queriam indagar se ela estava armada, e mostrou-lhes o que ela chamava de sua arma: a Bíblia Sagrada. Este seu gesto derradeiro é o último recado que Dorothy nos deixou.”  

“É sempre a Palavra de Deus que nos inspira e orienta em nosso caminho. “As armas com que combatemos não são humanas, o seu poder vem de Deus e são capazes de destruir fortalezas” (2Cor 10,4). Nas bem-aventuranças no Evangelho de Mateus (Mt 5,1-12) há aquelas que se referem explicitamente ao empenho em favor da promoção da justiça e da paz: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (v.6), “bem-aventurados os que são perseguidos por causa de justiça” (v.10). E aos que arriscam a vida em favor da justiça, em favor da promoção humana, da dignidade humana, dos direitos humanos, é afirmado que “deles é o Reino dos Céus”, reflete Dom Erwin. 

A impunidade é uma característica preocupante nesse contexto. Muitos assassinatos de líderes na Amazônia permanecem sem resolução, contribuindo para um ambiente de medo e desconfiança. A falta de responsabilização enfraquece os esforços para criar um ambiente seguro para aqueles que dedicam suas vidas à preservação da Amazônia e à proteção das comunidades que a chamam de lar. 

A busca por justiça, diante da impunidade, é o que motiva a luta da advogada e ativista Claudelice dos Santos, que leva adiante o legado do irmão José Claudio Ribeiro da Silva, e da cunhada, Maria do Espírito Santo. O casal denunciava invasões e a extração ilegal de madeira no sudeste do Pará. Eles foram vítimas de uma emboscada no dia 24 de maio de 2011 no assentamento agroextrativista Praia Alta-Piranheira, na zona rural de Nova Ipixuna.  

Hoje ela também sofre ameaças por dar continuidade ao trabalho dos líderes comunitários no Instituto Zé Claudio e Maria (IZM), que defende e apoia lideranças e famílias ameaçadas pela luta socioambiental na Amazônia.  

Claudelice chama atenção para a impunidade dos crimes cometidos contra defensores dos direitos humanos e da natureza. “E ainda inadmissível que tanto anos depois a situação esteja em condições muito semelhantes, porém com maior sofisticação com relação a violência, no entanto o quadro pouco mudou, a violência continua extrema e velada sobretudo contra mulheres defensoras de direitos humanos”, ressalta.  

Ao recordar o legado de Dorothy, Claudelice explica que a missionária é um exemplo a ser seguido de resistência e persistência. "O legado de irmã Dorothy é um legado atemporal, estamos quase 20 anos falando o quanto era corajosa, perspicaz e ficou ao lado de quem tanto precisava de carinho e cuidado, ela efetuou o amor na vida das pessoas. Para nós, do movimento, é uma honra estar do mesmo lado que ela lutou”, afirma a ativista. 

“Infelizmente, décadas depois os defensores das terras, das águas e dos direitos humanos continuam sofrendo as consequências sem a influência efetiva do Estado para a resolução dos conflitos ou sequer criar mecanismos eficientes para proteção. Isso é inadmissível, mas infelizmente mais defensores tombam por essa ineficiência do Estado por omissão e por ações do próprio Estado, que leva aos casos de assassinato. Os defensores de direitos humanos não são vulneráveis são vulnerabilizados pela situação extrema de abandono. O Estado brasileiro que deixa os defensores de direitos humanos e do meio ambiente à mercê, da bandidagem, do garimpo, de grandes projetos, que passam por cima da vida de pessoas e da própria natureza”, lamenta Claudelice.  

Mais de 1 em cada 5 assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente registrados no mundo em 2022 aconteceram na Amazônia. No total, 177 pessoas morreram em todo o planeta, sendo 39 (22%) na maior floresta tropical, segundo um levantamento da ONG (organização não governamental)


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