terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

A distorção de nosso sistema "checks and balances"


Ao criar esse sistema cuja genialidade rompe as eras políticas, Locke lança as raízes e Montesquieu é conclusivo na estrutura do sistema: para bem funcionar uma República Democrática, que, senão é o melhor dos regimes, é no mínimo o menor pior, segundo o consenso unânime dos povos.

Contudo, uma fórmula de seu funcionamento o tocou em frente, mas sem explicitação: o Executivo e o Judiciário devem ser abertos, dialógicos em relação aos governados; não é o que deve ocorrer com o Judiciário. Este é o cumpridor das leis, constitucionais e infraconstitucionais (atenção: abaixo da Constituição, não contrárias a ela).

Enquanto vigorantes, as leis, boas ou más, devem ser rigorosamente cumpridas. Se más - para o bem comum - devem ser reveladas, debatidas e, se for o caso, revogadas, pelos dois poderes encarregados das leis, o Legislativo e o Executivo.

Ao Judiciário, a quem cabe tornar real a ciência jurídica - não simplória quanto parece aos milhares de brasileiros que, de um dia para outro, se tornaram juristas, cabe a sacerdotal e discreta tarefa de julgar, de aplicar a norma abstrata, sem alarde, para depois suas decisões serem simplesmente cumpridas.

Não é preciso dizer que os aplicadores da lei - magistrados de todos os graus - não precisam ser bons políticos, até porque não são guindados às funções pelo voto popular, não precisam ser simpáticos, carismáticos, disputar entre si, um bom, ou nefasto, como se debate cruamente na sociedade brasileira atual. O que precisa-se é que sejam juristas equilibrados, imparciais e verticais. Os processos não tem partes como objeto, mas enquanto pessoas, mas essas pessoas não podem ser nominadas, para que a aplicação do direito não seja subjetiva e injusta ou inspirada por privilégios.

Ocorre que, se o povo passou a discutir o Judiciário, não foi ele um arroz de festa, mas esta foi criada pelos próprios operadores do direito, que, acostumados à vida monástica, repentinamente foram focados por câmeras de televisão e todas as engenhocas e jornais da mídia moderna. 

Há de haver um acordo: de um lado, os juízes, promotores e advogados, retornarem a seu silêncio, porque nada mais fazem do que complementar o que cabe aos demais poderes. Falar nos autos, porquanto o que não está nos autos não está no mundo, segundo velho brocardo. Do mesmo modo, não estar juízes no torvelinho das discussões políticas, a Democracia precisa desse equilíbrio.

A resposta aos que discordam está em que o direito é, no final das contas, um só, para um grande jurista uma norma fundamental, da qual se originam todas as soluções dos conflitos. Não é o que passa peça cabeça de cada qual encarregado de fazê-lo viver.

O resultado esta aí: o Presidente do STF, certamente aderente a estas palavras, é visto como um segundo Presidente da República, uma construção irreal. Os Ministros do STF a todos os momentos expõem suas posições ao público, muitas vezes idiossincráticas.

Daí que, para grande parte do povo, o Judiciário passou a ser, talvez, a glândula mais pesada do Estado Inimigo, aquele que aderiu à cultura do não, desde que o pedinte seja alguém desse povo carente de misericórdia. E os rumores de que células terroristas visam os Ministros, coisa deplorável, mas cuja semente foi lançada por eles mesmos.

A volta ao passado nem sempre é algo reacionário, para os que admitem a ideia do eterno e necessário retorno. Retorno ao que foi bom. Para isso está aí a história que constrói.

Nossa proposta é simples: que o Judiciário retorne a seu habitat de discrição, sem divulgação de seus debates, limitando-se a publicar oficialmente suas decisões para serem cumpridas. Não é atentado à liberdade de imprensa, que pode divulgar e comentar ditas decisões, mas não estimular o povo a um debate desnecessário, hermético e inassimilável pelas gentes,  e que em nada auxilia o funcionamento do regime democrático.
  

* Amadeu Garrido de Paula, poeta e ensaista literário, é advogado, atuando há mais de 40 anos em defesa de causas relacionadas à Justiça do Trabalho e ao Direito Constitucional, Empresarial e Sindical. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário