quinta-feira, 19 de março de 2020

A crise mais profunda

Amadeu Garrido de Paula

Um vírus (algo insignificante ante a dimensão da raça humana) gerou-nos a mais profunda crise, pelo menos dos tempos modernos: crise existencial.
Demonstração eloquente da correção da filosofia de Jean Paul Sarte: a existência precede a essência.
Quer isso dizer que nossas elucubrações, sistemas de pensamento, ideias e conceitos sobre o significado do homem sobre a terra, sucedem às vicissitudes da existência. Não há formulações cognitivas anteriores às cruas contingências da vida material, ideias inatas, tampouco dissertações anteriores à contingência física, que possam ser admitidas como verdadeiras. Este momento tornou isto muito claro.
E se a existência é anterior à essência, as condições materiais nos condicionam antes de qualquer formulação filosófica, teológica, antes de qualquer idealismo. Um invisível, a olho nu, vírus, foi a prova.
Não há dialética idealista e tampouco da natureza ou histórica. Inexiste plano preestabelecido. Destino traçado, um grande plano universal fora do qual estaríamos equivocados.
Por mais que isto nos destrua, o certo é que vivemos respondendo às cabeçadas às variáveis incontornáveis da natureza. Num plano divino não estaria implantado o coronavírus, simplesmente porque não há esse plano.
Não se quer dizer que energias superiores nos guiem; mas não nos comandam. São elas que concedem ao homem a capacidade conceitual capaz de superar os adversários da natureza. E os homens - somente eles - os capazes de produzir a inteligência necessária à vida.
Revirados de perna para o ar seculares modos de viver, estamos compelidos a adaptar costumes, reformular projetos, nossos seres se tornam abruptamente agentes de condutas completamente distintas.
Venceremos o vírus. Porém, o novo momento histórico nos imprimirá marcas indeléveis.

* Amadeu Garrido de Paula

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