terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

‘Ecos’ põem Einstein em xeque

Em um artigo publicado em dezembro passado, cientistas canadenses e portugueses alegam ter percebido “ecos” vindos de ondas gravitacionais captadas pelo Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo), nos EUA. Para eles, esses ecos colocariam a Teoria Geral da Relatividade de Einstein em xeque e abririam espaço para uma nova física.

As ondas gravitacionais são como “impressões digitais” dos buracos negros, que são regiões no espaço que possuem um campo gravitacional tão intenso que nada que entra consegue escapar. Nem a luz. Tudo que é atraído por essa supergravidade é tragado para dentro do buraco negro, até ser destruído, afirma o professor George Matsas, pesquisador do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coautor do livro “Buracos Negros: Rompendo os Limites da Ficção”.
Na fusão de dois buracos negros, eles dão origem a outro maior, o que cria ondulações no espaço-tempo. “(São ondas) como as de um sino ressoando – mas, em vez de serem ondas sonoras, são ondas gravitacionais, que se propagam à velocidade da luz”, compara.
Essas ondas foram descritas por Einstein há cem anos, mas só no ano passado foram percebidas por aparelhos. “Conforme essas ondas vão se propagando, suas intensidades diminuem. Quando finalmente chegam aqui na Terra, perturbam o tamanho dos objetos muito pouquinho. São essas perturbações minúsculas que são medidas pelas antenas gravitacionais”, explica Matsas.
A física já prevê que a Teoria da Relatividade não funcione no centro do buraco negro. Porém, se esses ecos forem confirmados, isso provará que a teoria do físico mais aclamado da história falha, não no centro do buraco negro, mas em seu horizonte de eventos – a “fronteira” entre o buraco negro e o espaço.
E é essa falha que poderia marcar o nascimento de uma nova física. Questionando Einstein, especialistas apontam que a matéria engolida por um buraco negro deveria deixar um rastro do lado de fora. Ou seja, esses ecos indicariam que o buraco negro é mais “macio” do que se imaginava.
Levando em conta que os buracos negros têm singularidades (abismos espaço-temporais onde as leis da física não se aplicam), Matsas não confia na teoria dos ecos. “O buraco negro destruir informação (fato que serviria de base para a teoria dos ecos) não é um problema, é uma característica dele. Acredito que o que estão vendo são flutuações estatísticas, e não uma física nova associada aos assim chamados ‘firewalls’, uma cortina destrutiva localizada na fronteira do buraco negro”, afirma.
Apesar de já ter sido colocada em xeque muitas vezes, a Relatividade continua sendo a melhor teoria para explicar os buracos negros. A descoberta das ondas gravitacionais é uma das apostas mais fortes dos cientistas – Matsas incluído – para o prêmio Nobel em física deste ano.


NÚMERO

3.000 anos-luz é a distância do buraco negro mais próximo.


MINIENTREVISTA

George Matsas, professor do Instituto de Física Teórica / Unesp
Coautor do livro “Buracos negros: rompendo os limites da ficção”
Qual é sua opinião sobre a teoria dos ecos?
u acredito que o que estão vendo são flutuações estatísticas, e não física nova associada com os assim chamados “firewalls”, uma cortina destrutiva localizada na fronteira do buraco negro. Eles estão tentando resolver um problema que não existe.
Pode explicar um pouco melhor?
Segundo a teoria de Hawking, a formação de um buraco negro perturba o vácuo quântico ao redor dele, levando, como consequência, a um fluxo de partículas elementares que escapam para o infinito. Esse fluxo de partículas tem uma temperatura que depende da massa e do spin (rotação) do buraco. Sabemos também que essa radiação não contém toda a informação que havia no início, quando a matéria colapsou formando o buraco negro. O problema surge quando se usa ingenuamente um teorema de mecânica quântica que diria que isso é impossível.
Daí a conclusão de que a Teoria da Relatividade estaria errada?
Sim. Mas esse teorema não leva em conta que existe uma singularidade no buraco negro que destrói tudo, inclusive a informação.
O que é a singularidade?
É um abismo espaço-temporal. Na singularidade, não existe o tempo nem o espaço, nada. Quando a informação chega lá, ela é destruída. É por isso que a informação no final é menor que a do início.
É por não se considerar a singularidade, então, que acredita-se haver um problema com a Teoria da Relatividade?
Isso. Um teorema vale sob certas condições. Uma delas, no caso desse, é que não haja singularidades. Não considerando essa hipótese, um grupo de cientistas chegam a um paradoxo. Aí, eles tentam modificar a teoria dos buracos negros a todo custo para se encaixar na explicação.
Mas a Teoria da Relatividade poderia ser rebatida?
De fato, há teorias razoáveis, diferentes da do firewall, competitivas à da relatividade, mas acho que as ondas gravitacionais produzidas por buracos negros seriam tão parecidas com as descritas pela Teoria da Relatividade que, com a tecnologia de hoje, elas seriam impossíveis de se diferenciar. (RS)

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