sábado, 7 de março de 2020

Todo parto natural é normal, mas nem todo parto normal é natural

No passado, as parteiras desenvolviam um importante trabalho. Eram elas que cuidavam de auxiliar o trabalho de parto, sobretudo em uma época em que as unidades de cuidados médicos não haviam se disseminado pelo território do Brasil. Havia poucos hospitais e unidades de atendimento médico, não só interior, mas também nas cidades. Uma parte considerável das pessoas que vivem hoje nasceu com auxílio das parteiras.
Sempre atenciosas, com um sorriso no rosto e com grande experiência, "faziam" os partos com tranquilidade e competência.
Com a ampliação da rede hospitalar, a atividade das parteiras foi sendo deixada de lado, passando a ser vista, por muitos, como uma atividade sem estrutura, que gerava riscos para a parturiente e para a criança. Trocou-se o parto natural, considerado doloroso e inseguro, pela suposta segurança e comodidade do parto em hospital. Ocorre que os médicos, de modo geral, não são preparados para o parto "natural", ou sequer para o parto "normal" (parto "normal" é o parto vaginal, enquanto "parto natural" é o parto vaginal que se realiza sem qualquer intervenção médica, como anestesia, analgésicos etc. Assim, todo parto natural é normal, mas nem todo parto normal é natural).
A migração para a rede hospitalar não significou a mera troca do parto natural (parto vaginal sem intervenção médica, que antes era, de modo geral, realizado pelas parteiras) para o parto normal (parto vaginal com intervenção médica, como anestesia), mas antes a adoção, na grande maioria dos casos, da cesariana.
Muitas pessoas de determinada geração vieram ao mundo através desse método. A cesariana parecia ser mais segura e menos dolorosa para a parturiente, e mais cômoda para os médicos. Com isso, o antigo conhecimento consolidado pelas parteiras acabou praticamente se perdendo...
Mas a concepção de que a cesariana é o melhor método, que prevaleceu durante muito tempo, vem sendo reavaliada em tempos recentes. Estudos têm mostrado a importância, tanto para a mãe quanto para a criança, do nascimento através de parto pelo menos "normal". Ocorre que, no Brasil, os médicos e o próprio sistema de saúde não estão, de modo geral, preparados para incentivar o parto pelo menos normal, quanto mais o parto natural.
Há relatos de casos de mulheres que gostariam de realizar o parto normal ou natural, mas que são incentivadas a realizar a cesariana. Prevalece ainda, infelizmente, a visão de que os partos normal e natural não seriam seguros.
Mas isso, como mostram vários estudos, não é necessariamente correto.
Lembro-me de um caso, ocorrido na Fazenda da Vargem, do meu Avô Tineco, que marcou minha infância. Eu passava férias, na Fazenda, com minha mãe. Uma mulher de um empregado da Fazenda entrou em trabalho de parto. Foi então chamada uma parteira, que atendia na região (parteira essa que já era conhecida de todos na fazenda); sua atuação foi providencial e fundamental para o nascimento da criança, uma menina. No momento do parto, havia vários empregados na Fazenda; eles pararam suas atividades laborais para acompanhar o nascimento da criança. Quando foi ouvido o choro da criança, foi uma alegria geral: todos celebraram. Passadas algumas horas do parto, vendo a mulher com sua filha no colo, tive a sensação que ela se sentia bem cuidada, não se sentia como uma paciente.
Hoje, fazendo uma reflexão sobre esse fato, chego à seguinte conclusão: experiência, paciência e competência foram fundamentais naquele dia, já que o parto foi demorado.
As parteiras daquela época eram pessoas abnegadas, abriam mão de muitas coisas para se dedicar a outras pessoas.
É claro que, hoje em dia, as coisas são diferentes. As gestantes não precisam e não devem abrir mão da segurança de um hospital, sobretudo em casos de gravidez e parto de risco. Mas poderia se incentivar pelo menos a adoção geral do parto normal, ou seja, o parto em hospital assistido por médico, eventualmente com intervenções como anestesia, analgesia etc. deixando-se a cesariana para os casos em que o parto normal signifique risco para a gestante ou para a criança. É preciso que o sistema ofereça informação à gestante sobre os benefícios e riscos de cada tipo de parto e, sobretudo, ofereça a ela a liberdade de escolha.
Com a segurança do parto realizado em hospital, sobretudo a cesariana, perdeu-se a espontaneidade do parto natural. Mas é possível conciliar as duas coisas; é possível adotar uma política de saúde que recupere essa dimensão humana e natural do parto. O parto, e consequentemente o trabalho das parteiras, faz-nos lembrar da mãe natureza, já que o parto é uma transformação.

Cristóvão Martins Torres

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