quarta-feira, 6 de julho de 2016

Se depender de projeto de lei, o dinheiro vivo pode acabar

Dá para imaginar o mundo sem o dinheiro em espécie? Alguns países já têm iniciativas para que o papel-moeda deixe de circular e os meios digitais sejam responsáveis por 100% das transações. No Brasil, um projeto de lei quer acabar com a produção, circulação e uso do dinheiro em espécie e determina que as transações financeiras se realizem apenas através de meios digitais. O país está preparado para isso?
Na Suécia, em mais de metade das agências dos maiores bancos do país não há nenhum dinheiro em estoque e não são aceitos depósitos em espécie. As cédulas e moedas representam hoje apenas 2% da economia local. O Canadá parou de imprimir dinheiro em 1º de janeiro de 2013 por causa da queda na demanda e o crescimento do uso do “dinheiro de plástico”. A Coreia do Sul também caminha para ser cada vez menos dependente de dinheiro. Lá, clientes que pagam com cartão têm tratamento tributário diferenciado e, em quatro anos, os pagamentos em dinheiro caíram de 40% para 25% do total.
No Brasil, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), no primeiro trimestre de 2016, o número de transações com cartões foi de 2,9 bilhões – crescimento de 9,3% frente ao mesmo período de 2015. Com 1,6 bilhão de transações, os cartões de débito foram mais usados pelos consumidores que os cartões de crédito, que tiveram 1,3 bilhão de transações. Não há um levantamento oficial do uso de cartão e meios eletrônicos no Brasil. Mas estimativas do mercado apontam que metade dos pagamentos e transações já não é feita por dinheiro no país.
Entre os argumentos do deputado Reginaldo Lopes (PT–MG), autor do PL 48/2015, estão o combate à violência, à corrupção e à lavagem de dinheiro. Como toda transação financeira poderá ser rastreada, ficarão “quase impossíveis” as práticas desses crimes. “Dinheiro em espécie no século XXI não interessa ao homem de bem”, esclarece.
O projeto tramita em caráter conclusivo e vai ser analisado pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça. Se for aprovado, entrará em vigor cinco anos a partir da publicação. Para o deputado, “ajustes pontuais seriam necessários, mas com a tecnologia atual seria fácil atender as demandas para implantação do sistema”.
Polêmica. Para o diretor executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Roberto Vertamatti, o Brasil ainda não está preparado. “É uma questão cultural e a população não está preparada para isso”, reitera. Segundo ele, a tendência mundial é mesmo a extinção do papel-moeda, principalmente pelo alto custo de produção e dos meios para sua segurança.
“Eu acho fantástico e futurista o projeto”, opina o advogado tributarista Nélson Lacerda, do escritório Lacerda & Lacerda Advogados. “Não teríamos mais sonegação nem lavagem de dinheiro”, reitera.
Já para o fotógrafo Guilherme Bergamini, que é avesso a cartões, anda com dinheiro no bolso e se educou para consumir o que for pagar à vista, o projeto é inapropriado e ele pensa em quem não tem acesso aos meios digitais como a população rural. O vendedor ambulante Welington Lopes considera o projeto muito bom. “A questão de roubos e assaltos vai diminuir e até acabar”, espera.

Suécia enfrenta problemas

A caminho de se tornar a primeira sociedade sem dinheiro em espécie do mundo, a Suécia pisou no freio. O Sveriges Riksbank (o Banco Central do país) quer que os bancos provenham serviços com dinheiro vivo. O que acontece é que parte da população, especialmente os idosos e os pequenos negócios, não está conseguindo se adaptar aos pagamentos digitais na velocidade em que o mercado está mudando.
A proposta, que foi apresentada ao ministro das Finanças do país, é uma ramificação da nova diretiva de pagamentos da União Europeia, que começará a vigorar em setembro e dá a todo indivíduo o direito a uma conta com funções básicas.
A proposta do BC da Suécia vai mais longe, obrigando os bancos a prover serviços com dinheiro em espécie de acordo com as necessidades dos clientes. “Aproximadamente 50% das agências bancárias já não trabalham mais com dinheiro, o que significa que, em algumas localidades, ninguém mais pode fazer um saque ou depósito”, disse um representante do BC sueco.
Eles resolveram começar essa transformação para o digital porque, segundo o BC, em 2014, só 20% de todas as transações no varejo do país eram em dinheiro. Só que as pessoas que ainda pagavam em “cash” são exatamente as que não têm acesso às alternativas, seja por falta de habilidade para mexer nas máquinas, falta de equipamentos ou de acesso à internet.

“Nós recebemos bem o desenvolvimento digital, mas não aceitamos que certos grupos sejam excluídos do mercado de pagamentos. Ainda existem situações nas quais não há alternativas ao dinheiro”, disse a porta-voz da Associação de Aposentados da Suécia, Christina Tallberg. (Da redação, com agências internacionais)
O Tempo

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