domingo, 28 de agosto de 2016

Há 50 anos, Beatles deixavam os palcos

29 de agosto de 1966. Às 21h27, John Lennon, Paul McCartney, Ringo Starr e George Harrison subiam ao palco para o último concerto público dos Beatles com ingressos. Foram 33 minutos de show para 25 mil pessoas no estádio Candlestick Park, em São Francisco, Califórnia. Pouco depois, Lennon disparou o seguinte comentário sobre a beatlemania: “Em nossa última turnê, nos traziam cegos, deficientes físicos e crianças disformes em nossos quartos. E a mãe da criança dizia: ‘vamos, dê-lhe um beijo, possivelmente isto lhe trará a visão de volta’. Não somos cruéis. Porém, quando uma mãe gritava: ‘somente toque nele, que possivelmente ele volte a andar’, queríamos correr, chorar, esvaziar os nossos bolsos.”
Nesta segunda (28) faz meio século que os fab four se despediram dos shows e ouviram George Harrison desabafar no avião a caminho de Liverpool, provavelmente aliviado: “Acabou, já não sou mais um Beatle”. De fato, a beatlemania sentida corpo a corpo foi estancada com o fim dos shows, mas os Beatles estavam apenas começando a ser a maior banda do mundo.
No início deste mês, em entrevista concedida à revista inglesa “Mojo”, Paul e Ringo admitiram que poderiam ter continuado nos palcos pós-1966. Para Ringo, a simbólica apresentação da banda no telhado da Apple Corps, em 30 de janeiro de 1969 – três anos após o último show oficial para o público – “mostrou que a gente podia ainda fazer isso”. Já Paul lembrou que fez várias investidas para que uma nova turnê se concretizasse e cutucou Ringo: “Mas vocês não me ouviram”, disse o beatle.
Fato é que em 1966 o quarteto inglês não surfava mais no iê-iê-iê ou mesmo se contentava com o fenômeno de maior banda do planeta. Desde 1962, eles estavam imersos em turnês que contabilizaram mais de 1.400 apresentações a nível de grandes concertos. Sem contar que nessa época os fab four haviam conquistado as paradas da América, ultrapassado Elvis Presley como fenômeno cinematográfico, atingido a marca de dez indicações ao Grammy, e, claro, feito fortunas. Mesmo assim, a principal preocupação em relação aos shows era não conseguir reproduzir os arranjos cada vez mais elaborados dos discos nas apresentações ao vivo.
“Revolver”, disco finalizado dois meses antes do último show de 1966 e que celebra 50 anos em 2016, não teve músicas incluídas nas apresentações pela dificuldade de reproduzir as canções ao vivo. No estúdio da Abbey Road, os Beatles levaram cinco caixas gigantescas de equipamentos e conseguiram uma mistura de rock psicodélico, balada, R&B, soul e world music, fazendo experiências inéditas como a aproximação de microfones aos instrumentos, criação de solos invertidos na mesa de som e orquestrações.
O professor Rafael Rusak, do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e um dos tutores do curso de extensão “Beatles: História, Arte e Legado”, observa que o fim dos shows foi a abertura para a total liberdade criativa dos fab four. “Até 1965, os Beatles ainda cumpriam agendas de marketing, eram obrigados a ouvir gravadoras, honrar compromissos em shows, entrevistas. A partir do ‘Revolver’, eles extrapolam com as ideias, fazem várias descobertas e mandam a burocracia para o espaço. Eles estão experimentando drogas, maconha e LSD, não há qualquer vestígio da fase iê-iê-iê. Como a música faz muito sucesso, a liberdade criativa passa a ser infinita, apesar de a EMI ter resistido a tantas novidades”, diz Rafael.
DESCANSO e revolução. A intensa rotina de shows fez com que os Beatles tirassem sete semanas de férias no início de 1966 – período fundamental para a formatação do aclamado “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band” (1967), considerado o álbum do século e o primeiro disco conceitual de rock da história.
O inglês Garry Gibson, o principal cover de John Lennon e um estudioso da obra dos Beatles, avalia que esse foi o momento em que cada beatle reuniu influências diversas. “O George viajou para a Índia e ficou por mais de um mês tendo aulas de sitar com Ravi Shankar. Paul McCartney e o produtor George Martin colaboraram para a trilha sonora do filme ‘The Family Way’. Lennon estava envolvido com mostras de arte e direitos humanos, quando conheceu Yoko Ono na Indica Gallery. E Ringo queria se dedicar à família. No ano seguinte, 1968, os Beatles ainda fariam uma viagem juntos à Índia, que mudaria o conceito espiritual da banda, a forma de ver o mundo”, diz o músico.
O resultado é um disco que mescla música indiana, orquestrações impecáveis, jazz, sons invertidos, baladas e barulhos de animais, apresentando músicas como “Lucy in the Sky with Diamonds”, “A Day In The Life” e “With a Little Help from My Friends” .
A carioca Elisabeth Villas Boas Bravo, a Lizzie Bravo, ganhou fama após desembarcar em Londres no dia 14 de julho de 1967, em plena gravação de “Sgt,. Pepper’s”. Após passar quase um ano frequentando diariamente os estúdios Abbey Road, ela foi convidada a gravar na faixa “Across The Universe”, que só seria lançada no álbum “Let It Be” (1979), o último dos Beatles.
Para ela, a maior recordação do período era a intensa rotina de trabalho da banda. “Encontrei diversas vezes com os quatro. E o que mais me impressionou foi que eles passavam horas numa mesma música, às vezes dez, 11 horas em um só trecho”, conta Lizz.
O professor do Departamento de Música da Universidade de Brasília (UNB), Sérgio Nogueira, ressalta que “Sgt. Pepper’s” foi o primeiro álbum dos Beatles lançado simultaneamente em 1º de junho de 1967, sem diferenciação entre as versões das faixas. “Isso contribuiu para que os Beatles efetivassem o chamado fenômeno pop. Antes, se eles tinham lançamentos diferentes de acordo com o gosto dos ouvintes dos EUA, Japão e até na Rússia, onde foram proibidos depois, agora a ideia era atingir o mundo inteiro, já que o som dos Beatles conseguia isso”, diz Sérgio.
Marco Antônio Mallagoli, que possui um dos maiores acervos dos Beatles no Brasil, incluindo o único exemplar do disco de ouro do compacto simples “She Loves You” (1963), sublinha que os Beatles traduziram em suas músicas, não só pela sonoridade, mudanças importantes no mundo inteiro. “O mundo estava mudando e, com eles, os Beatles também teriam que mudar. Na segunda fase da banda, considerada rock e psicodélica, você ouve críticas ao Vietnã, a contracultura traduzida na música deles. E todo o sucesso mundial que inventou uma indústria pop acontecia sem que eles fizessem shows”, diz Marco.
Porém, mesmo depois de todos os desentendimentos entre os quatro, incluindo os problemas de Paul McCartney com Yoko Ono, as inclinações solo de John Lennon, e o abandono temporário de Ringo Starr da banda no meio da gravação do “The White Album” (1968), Marco Antônio diz que existiu a chance de a banda voltar a excursionar, segundo o que ouviu do próprio Lennon, em um encontro com o beatle em outubro de 1980, em Nova York.
“Encontrei todos os quatro em momentos distintos, entre 1974 e 1980. Encontrei o John dois meses antes de seu assassinato, na porta do edifício Dakota. Me apresentei como representando do fã-clube Revolution, conversamos um pouco, e ele mencionou a vontade de sair em turnê do disco que estava fazendo com a Yoko, ‘Double Fantasy’. Depois, ele falou a seguinte frase que me marcou para sempre: ‘Quando eu terminar essa excursão, vou ligar para os outros três e ver o que eles vão fazer. Quem sabe?”,conta Marco.

O Tempo

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