quarta-feira, 23 de maio de 2018

A ordem cronológica dos processos e o caos

Amadeu Garrido de Paula

O art. 12 do novo Código de Processo Civil, reflexo das melhores intenções democráticas, está a depender de uma hígida e criativa orientação do Conselho Nacional de Justiça e das Corregedorias de Justiça para que aquelas, não desprendidas do inconsciente coletivo, sejam efetivamente materializadas.

Preceituou-se que juízes e Tribunais atenderão à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

Vê-se de início que a norma, antes de ser endereçada ao todo da máquina judiciária, voltou-se exclusivamente aos atos decisórios. Além disso, esqueceu-se das decisões interlocutórias, não raro de maior importância prática ao ideal de justiça célere ou razoável em relação às sentenças ou acórdãos.

É como se o legislador resumisse nos atos superiores e exaurientes de natureza decisória (sentenças ou acórdãos) o ponto onde eventualmente residisse o melhor ou pior desempenho da administração da justiça.

Esta é muito mais complexa. E a consequência, como os advogados militantes há muito percebem, está em que os servidores submetem não só os autos aptos ao conhecimento por uma sentença ou acórdão, mas todas as petições, à conclusão, em primeiro grau, segundo ordem cronológica de sua apresentação, como se todas fossem igualmente importantes. Excetuam-se as hipóteses raras em que o advogado obtém do Magistrado uma determinação especial consistente na atração de processos que demandam um pronunciamento judicial, muitas vezes, imediato, ainda que não se trate de sentença.

Os servidores têm presente em sua consciência ou inconsciência, intuitivamente, que esse não é o melhor método de se fazer justiça. Mas, obviamente, a observância simples e nada criativa forma de um procedimento é a maior garantia de segurança funcional.

Por força da regra precitada, que se generalizou, tudo segue a ordem cronológica; ao juiz, por exemplo, são encaminhadas as petições segundo a ordem de sua protocolização. Pouco importa se uma delas simplesmente junte um documento e a outra requeira uma penhora, quando o credor concorre com outros e, à determinação da preferência concursal, consagre nosso processo civil a regra "prior in tempore potior in iure". As petições, exemplificativamente, apresentadas em incidentes de cumprimento de sentença, seguem à conclusão, no lento corso do andamento processual brasileiro, atrás de uma de aditamento à inicial, distribuída há poucos dias, enquanto aquelas somente vieram à tona depois de um longo périplo, muitas vezes de décadas, no processo de conhecimento, que seguiu até nossas instâncias judiciárias mais elevadas.

Se o dispositivo sob análise optou por uma igualdade, "sic et simpliciter", derrapou drasticamente no caminho da equidade, por razões imprevisíveis de um universo mais amplo que o suposto. A igualdade envolve abordagem tão complexa que sua consagrada definição se dá por meio de um oxímoro: igualdade é tratar desigualmente as situações desiguais.

Como fazer que uma burocracia estatal, que, por razões plenamente justificáveis, pretende ser estável, seja, concomitantemente, criativa, no sentido do justo? Sabemos que não se trata de uma tarefa fácil e tampouco insuscetível de influências indesejáveis, mas os responsáveis pelas Serventias, os veneráveis "escrivães" de nossa história processual, poderiam perfeitamente, segundo regras traçadas pelas cúpulas responsáveis pela funcionalidade da prestação jurisdicional, aplicar, como devido, o princípio tão complexo da isonomia.

Desse modo, a adotar-se o exemplo citado, uma petição apresentada em incidente de cumprimento de sentença num processo antigo, para fixação do "quantum debeatur", depois da longa batalha pela obtenção do "an debeatur", obviamente seria levada ao Magistrado em situação de preferência a processos noviços. Seria a observância da "ordem cronológica" sob o signo da inteligência dos valores, não sob uma conduta robótica e contrárias aos valores humanos que a regra, aplicada mecanicamente, procura preservar.

Imprimir inteligência criadora ao ramerrão burocrático das instituições públicas talvez seja como possibilitar ao homem comum a compreensão de James Joice ou de Picasso. Não custa tentar, entretanto.

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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