quarta-feira, 23 de julho de 2014

Cientistas estudam a fórmula do talento

Psicólogos americanos debatem influência da prática e do dom natural no desempenho de elite

Há muito tempo os cientistas discutem sobre as contribuições relativas de prática e talento natural para o desenvolvimento do desempenho de elite. Esse debate avança para um lado e para o outro a cada século, mas um estudo publicado na edição atual do periódico "Psychological Science" ilustra em que pé se encontra o debate e dá dicas – mais tentadoramente para quem deseja dar o máximo – de que caminho a pesquisa vai seguir.

O debate sobre o valor da prática chegou a um impasse. Em estudo histórico com músicos em 1993, a equipe de pesquisa chefiada por K. Anders Ericsson, psicólogo agora na Universidade Estadual da Flórida, constatou que o tempo dedicado ao treino explicava quase toda a diferença (perto de 80%) entre os musicistas de elite e os amadores dedicados. A descoberta ecoou rapidamente pela cultura popular, talvez de forma mais visível como a inspiração aparente para a "regra das dez mil horas" no best-seller "Fora de Série", de Malcolm Gladwell – média aproximada da quantidade de tempo exigido para o desempenho de um especialista.

Prática deliberada

O novo estudo, a revisão mais abrangente de pesquisa relevante até agora, tira outra conclusão. Compilando resultados de 88 estudos sobre uma ampla gama de habilidades, a pesquisa estima que o tempo dedicado ao treino explique de 20 a 25% da diferença no desempenho em música, esportes e jogos como xadrez. No mundo acadêmico, o número é bem mais baixo – 4% – em parte porque é mais complicado avaliar o efeito de conhecimento anterior, asseguram os autores.

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"Descobrimos que, sim, a prática é importante, e, é claro, absolutamente necessária para se conquistar a perícia", disse Zach Hambrick, psicólogo da Universidade Estadual do Michigan e coautor do estudo, com Brooke Macnamara, agora na Universidade Case Western Reserve, e Frederick Oswald, da Universidade Rice. "Porém, ela não é tão importante como muitas pessoas afirmam" na comparação com quem tem o dom de nascença.

Uma dessas pessoas, Ericsson, já havia escrito sua resenha a respeito da nova pesquisa. Ele destaca que o estudo usa uma definição de treino que envolve uma variedade de atividades relacionadas, tais como tocar música ou praticar esportes por diversão ou em conjunto.

Já seus estudos se concentraram no que chama de prática deliberada: aulas individuais nas quais um professor pressiona continuamente um estudante, oferece críticas e avaliações de imediato e se concentra em pontos fracos.

"Se você misturar todas essas práticas numa grande sopa, é claro que vai reduzir o efeito da prática deliberada", afirmou em entrevista.

Hambrick declarou que utilizar a definição de prática de Ericsson não mudaria muito os resultados, se que é teria algum efeito, e partidários dos dois lados da questão defenderam suas posições. Como se dá com a maioria das áreas do debate entre o dom e o treino, este também produziu vários campos, cujas estimativas dos efeitos do treinamento variam em até 50%.

"Estamos falando de coisas diferentes", disse Scott Barry Kaufman, psicólogo da Universidade da Pensilvânia e diretor científico do Imagination Institute, que financia pesquisa sobre criatividade. E como o desempenho de elite demora anos para ser conquistado, a contribuição exata do treinamento talvez nunca seja descoberta com precisão.



Idade importa?

Entretanto, a gama de descobertas e o nível de discordâncias são pistas de que provavelmente existam fatores envolvidos na formação da perícia que não estão nem relacionados com a genética nem com a quantidade de tempo dedicado.

Um desses fatores é a idade com que a pessoa pega um violino, uma bola de basquetebol ou um idioma. Pessoas que crescem em famílias bilíngues integram por completo os dois idiomas ao mesmo tempo em que as áreas especializadas no idioma estão se desenvolvendo no cérebro. O mesmo pode se aplicar a tantas outras capacidades – pode existir um período crítico de aprendizagem na infância que prepare o cérebro para, posteriormente, aprender habilidades com velocidade.

Outros fatores são muito mais fáceis de controlar. Por exemplo, os cientistas demonstraram que o desempenho em si é uma forma especialmente poderosa de treinamento. Um dos estudos que a revisão de dados inclui descobriu que os mestres enxadristas com habilidades similares contavam com uma diferença muito grande na quantidade de horas que teriam estudado, de três mil a mais de 25 mil.

"Se prestarmos atenção podemos concluir que jogar em torneios, sob pressão, é um fator importante", afirmou Hambrick.

O conteúdo da prática isolada é outro. Em dezenas de experiências, os cientistas demonstraram que misturar habilidades relacionadas numa única sessão de treino – material novo e antigo, escalas e improvisação, nado crawl e costas – parecem aprimorar cada capacidade mais rapidamente do que se ela fosse praticada repetidamente sozinha. As pesquisas também sugerem que trocar o lugar e a hora do treino pode ajudar no caso de determinadas habilidades.

"A pergunta é: qual a melhor forma de treinamento na área em que se deseja adquirir capacitação?", afirmou Ericsson. "São estas as coisas que agora estamos começando a estudar, em áreas como formação médica".

Na verdade, o tempo de prática é fundamental, e sua contribuição para a perícia acumulada provavelmente deve variar de um campo para outro, como constatou o novo estudo. A personalidade também é uma variável enorme, ainda que parcialmente genética. "Coisas como determinação, motivação e inspiração – aquela habilidade de imaginar a conquista desse nível elevado, de fantasiar a seu respeito – ainda são aspectos dos quais poucos sabemos, e que precisamos estudar mais diretamente", explicou Kaufman.


No fim das contas, no entanto, o fator mais importante sobre o qual as pessoas têm controle – a escolha entre jogar bola, correr ou decorar um roteiro – pode não ser o quanto elas treinam, mas a eficácia com que utilizam esse tempo.

iG

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