segunda-feira, 10 de abril de 2017

Memória e esquecimento

Na folha de rosto seu novo livro, “Noite Dentro da Noite”, o escritor Joca Reiners Terron traz como subtítulo a frase: “uma autobiografia”. Porém, ele alerta que essas palavras não devem ser interpretadas ao pé da letra.
“Essa história nasce de um episódio biográfico, que é um acidente que eu sofri na infância, mas ela descamba para o delírio rapidamente. A última linha que eu escrevi, quando o livro estava na prova final, foi, justamente, ‘uma autobiografia’”, conta Terron, que é o convidado desta segunda do projeto Sempre Um Papo, a ser realizado no auditório da Cemig. Durante o encontro, ele vai promover o lançamento deste que é o seu sexto romance.
O autor dedicou dez anos à escrita da narrativa, que tem a memória, o esquecimento e a noção de identidade como temas centrais. De acordo com ele, o episódio que permeia a narrativa já apareceu de maneira sutil em outros volumes, a exemplo dos títulos “Hotel Hell” (2003) e “Curva de Rio Sujo” (2004), mas ainda sentia a necessidade de abordá-lo com mais fôlego.
“Eu precisava desenvolver isso melhor num livro mais extenso porque esse foi um acontecimento fundamental para mim. Foi a causa do uso constante de uma medicação que afetou a minha memória da infância, período que já é um pouco difícil de lembrar para todo mundo. Mas, por outro lado, eu gosto de interpretar o fato de ter perdido as lembranças como uma espécie de carta branca para inventar e começar a escrever”, relata Terron.
O fato que aconteceu com o ator ressoa na ficção por meio do personagem apenas identificado como “você”. Após bater a cabeça enquanto brincava com outras crianças, o garoto é hospitalizado e levado ao coma induzido. Quando retoma os sentidos, ele não reconhece as pessoas em sua volta nem aquelas que se apresentam como seus familiares. A narrativa, então, se constrói por meio de testemunhos de indivíduos que relatam para o protagonista toda a trajetória de sua vida.
“Ao contrário dele, eu não tinha testemunhas para me dizer o que eu havia esquecido. Principalmente, por conta de circunstâncias da minha família, que se mudava muito de cidade em razão do trabalho do meu pai. Isso, aliás, facilitou para que eu pudesse mentir à vontade”, ri o escritor.
Elementos. Entre aqueles que se dirigem ao personagem e cumprem papel de narrador, figura Curt Meyer-Cason, um escritor e tradutor alemão responsável por verter para a língua germânica “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, entre outras obras de escritores brasileiros. Meyer-Cason se aproximou mais da literatura no período em que ficou preso na década de 1940, no Brasil, acusado de ser um espião que trabalhava a mando do governo de Hitler.
“O Curt Meyer-Cason é uma das histórias exploradas no livro. Enquanto o personagem busca saber sobre si, ele vai sendo introduzido, por esse narrador, às histórias de uma família da qual não se sente integrante. Um dos enigmas principais do livro é a questão de ele fazer parte ou não desse grupo familiar, que chegou ao Brasil no final do século XIX”, acrescenta Terron.
A tônica do romance, portanto, se estabelece em torno da ambiguidade, uma vez que o personagem se revela tateando em busca da reconstituição da própria personalidade. “A suspeição está ali ao longo de todas as páginas. Há algumas frases-chave que são recorrentes no livro e aparecem logo no início. Por exemplo: ‘Esta história é sobre você, mas vai contá-la como se fosse sobre outro’. Então, talvez o verdadeiro narrador seja o ‘você’ ou toda essa história esteja se desenrolando apenas na cabeça dele”, pontua o autor, que, em seguida, traz uma citação de Thomas Hobbes, a seu ver, oportuna para esse contexto.
“Ele diz em ‘Leviatã’ que a memória e a imaginação são a mesma coisa ou tratam da mesma coisa, mas apenas têm nomes diferentes. Então, é como se o livro flagrasse o nascimento de uma imaginação ficcional desse personagem ‘você’”, conclui ele.
Trecho
“Esta história é sobre você, porém é como
se a assistisse em um filme cujo ator principal é desconhecido.
Era criança demais para ter qualquer papel nos eventos relatados por Curt Meyer-Clason,
mas talvez não fosse
bem assim,
pois qual é a idade necessária para não se ter nenhuma importância em uma história, foi o que você se perguntou então e
ainda se pergunta na cabine desta picape rumo a destino ignorado.”

AGENDA

O quê. Sempre Um Papo com Joca Reiners Terron
Quando. Nesta segunda-feira (10), às 19h30
Onde. Auditório da Cemig (rua Alvarenga Peixoto, 1.200, Santo Agostinho)

Quanto. Entrada gratuita
O Tempo

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