terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Deixar o Brasil

Amadeu Garrido de Paula

A imprensa volta a noticiar o movimento de abandono físico do Brasil. Pessoas e famílias inteiras que buscam outros países se multiplicaram, sobretudo nos mais recentes tempos passados. Não suportaram, primeiramente, a crise moral. Em seguida, a incapacidade do Estado de cumprir suas obrigações mais elementares, as de garantir o ordenamento social (Estado gendarme). Para ficar nisso.

Vejamos a questão sob o ângulo dos emigrantes. Ao demandar vida em outro País, entramos em ruptura não apenas com nossos costumes, nossos amigos, nosso "habitat". Teremos de nos adaptar a nova linguagem e, por conseguinte, novos parâmetros sociais e de pensamento.  É o ponto mais delicado.

Há tempos que filósofos e filólogos de primeira se debruçam sobre o tema. Não é preciso enumerá-los. Basta enunciar a sentença de Octávio Paz: sem sociedade não há linguagem e, sem linguagem, não há sociedade. Não é um dilema, é o dilema. O mundo moderno é interconectado, mas a tipicidade pluralística das nações é vital à existência plena.

Equivocou-se o homem, por séculos, sob os princípios do uno e do plúrimo humano. Inicialmente, era forte a crença no homem espiritualmente uno, emanação direta do espírito divino. Não se sabia porque, veio a Torre de Babel e as fórmulas de expressão do pensamento, pela linguagem, se multiplicaram. Logo, superadas as diferenças de sons e da escrita, restaria o homem, indistinto, em sua plena e invariável natureza. O signo humano não variava conforme as nações e respectivas linguagens.

Paulatinamente, a antropolia moderna passou a ter outro entendimento sobre o fenômeno linguístico. Este não é consequente, mas determinante do pensamento dos povos. A matéria exprime seus sons e símbolos, que são incorporados ao modo de ser e pensar dos povos.

É possível verificar a pluralidade no próprio território nacional, em que a linguagem de cada Estado condiciona um "ethos". Se aprofundarmos um pouco a análise e cotejarmos a vida brasileira com a portuguesa, com suas peculiaridades léxicas e de pensamento - tanto que os portugueses se opuseram ao acordo ortográfico - veremos profundas distinções.

Deixar o País natal é, portanto, desentranhar de nossas personalidades um modo de pensar. Como se sabe, já tivemos o movimento inverso, e povos europeus, em crise insuperável, bateram às nossas portas. Sempre foram estranhos, não apenas no Brasil, mas em relação e eles próprios e ao mundo.

Claro que há momentos invencíveis. O Brasil dos últimos tempos caminhou nessa direção. Os mais jovens, em que a língua ainda não plasmou irreversivelmente o modo do pensar, habituam-se com mais facilidade no exterior e recriam suas vidas.

Às famílias já consolidadas a arquitetura linguística já consolidou seus espíritos. Também se tornarão estranhos existenciais no mundo. Era inimaginável que a democracia, pela qual tanto lutamos, nos conduzisse para uma opção tão dramática. Somos todos culpados, mas políticos e corruptos são os principais responsáveis por nossa degradação. Ainda creio haver espaço para a resistência e, como é curial, o corrente ano é decisivo.


Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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