domingo, 14 de janeiro de 2018

Novo livro de Narloch aponta a diversidade da escravidão

Leandro Narloch
Jornalista e Escritor
Quando escreveu o “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” com 700 mil cópias vendidas, Leandro Narloch viu que havia muito a se explorar no tema escravidão. Em palestra no Instituto de Formação de Líderes (IFL-BH), o autor fala sobre a nova empreitada, “Escravos: A Vida e o Cotidiano de 28 Brasileiros Esquecidos pela História”.
O que o leitor pode esperar do seu novo livro? Esse livro é menos polêmico que os anteriores. Nos anteriores, eu falei que Zumbi tinha escravo, que quem mais matou índio foram os índios, que Santos Dumont não inventou o avião. Esse é um livro mais narrativo, sobre história de vida de escravos. Então, eu selecionei 28 histórias surpreendentes, a maioria delas de escravos brasileiros, e conto cada uma em um capítulo do livro. Tem tanto a mulher livre chamada Joana Batista de Belém, que decidiu se vender como escrava, em 1780, até escravos, que mesmo antes de comprar a própria liberdade, tinham escravos, e meninos narrando para o parlamento britânico como era o horror do navio negreiro e por aí vai.
Pode chamar a atenção para algum personagem de Minas? Um exemplo muito bom de Minas Gerais que os historiadores chamam de sinhás-pretas – que eram as negras que compraram a liberdade e depois compraram escravos para si próprias – é o da Bárbara de Abreu e Lima. Ela foi escrava, depois começou a vida vendendo frutas. Isso era muito comum: escravas empreendedoras que enriqueciam vendendo fruta. As negras do tabuleiro que se chamava vendendo fruta, comida e carne nas lavras de ouro. Ela (Bárbara) conseguiu comprar a própria liberdade, depois começou a investir em escravos. Era comum as pessoas investirem em escravos para conseguir um aluguel, assim como hoje a gente investe em imóveis. Ela morreu com 22 escravos, tinha um casarão em Sabará, na praça principal, ou seja, uma das casas mais ricas da cidade. Não é como a Chica da Silva, que enriqueceu casando-se com um português. Ela (Bárbara) conseguiu com esforço próprio e, quando morreu, era credora de homens brancos em Minas e na Bahia. Muita gente torce o nariz para casos como esse, “poxa, você não pode falar que negros tinham escravos, isso pega mal”. Pelo contrário, mostra, na verdade, que os escravos conseguiam planejar, enriquecer, negociar, de acordo com os costumes daquela época.
Como os escravos fizeram girar a economia? Principalmente onde a economia avançava, por exemplo, em Minas, nos séculos XVIII e XIX, que enriqueceu muito. Boa parte dos portugueses se mudou para o Brasil, a economia cresceu muito e isso abria oportunidade para todo mundo, para os menos qualificados, para os mais espertos. Alguns escravos souberam passar o estigma e o racismo, avançar e crescer. O Estado, naquela época, era muito pequeno, havia leis proibindo o comércio de rua, mas eram poucos fiscais, então as pessoas tinham alguma liberdade para empreender.
Podemos dizer que seu livro mostra um lado mais brando da escravidão? Tem esse debate do Gilberto Freire dizendo que a escravidão brasileira foi mais branda, se comparada com a dos EUA, e a dos sociólogos paulistas, que dizem que foi mais cruel. O que eu descobri, se tenho alguma afirmação nesse livro, é que a escravidão brasileira foi diversa, tem todos os tipos. Desde o ex-escravo que, quando foi fazer o testamento, deixou bens para o seu antigo dono, já que tinha uma relação de lealdade e fidelidade, até aqueles escravos que saíam algemados da senzala, trabalhavam na fazenda de café ou no canavial e voltavam acorrentados para a senzala e eram trancados.
Esse tipo de escravidão que você viu que houve no Brasil, que influência ela trouxe para os nossos dias? Isso muito se debate, acho que certamente o racismo, que ainda está presente hoje em dia, mas a população brasileira é miscigenada. Ao contrário da população norte-americana, em que existe um conflito de etnias evidente, no Brasil, muitas vezes, apesar de existir o racismo, a nossa identidade nacional é da miscigenação, do povo que se misturou, isso é perceptível olhando para os brasileiros. Muitas pessoas às vezes são negras e mal se percebem negras. Os pardos são maioria da população, e isso para mim é riquíssimo.
Que tipo de racismo temos no Brasil? Não sei se as redes sociais são boa referência porque a gente encontra louco falando qualquer coisa na internet hoje em dia. Mesmo esse caso que tivemos agora da filha do Bruno Gagliasso, a mulher me pareceu mais uma perturbada. Além de racista, ela tem problemas psiquiátricos ou muito além disso. Acho que existe esse racismo persistente no Brasil, mas ele está muito ligado a classes sociais. À medida que as pessoas enriquecem, esse racismo tende a diminuir.
Continuaremos com ícones da população negra e poucas pessoas de sucesso no mundo empresarial? Acho que não. Acho que cada vez mais a gente vai ter negros empreendedores, como teve no passado, e você tem um movimento liberal negro muito forte no Brasil, gente que não fica só pedindo dinheiro para o governo ou cotas para a universidade, mas que ajuda os próprios negros empreendedores, facilita o acesso a bolsas de estudo. À medida que o Brasil vai enriquecendo, essas pessoas vão aparecendo e vão crescendo também.
Em relação à nossa política, quais são os prováveis nomes nas eleições? Muita gente fala do (Jair) Bolsonaro, mas talvez seja um efeito meio parecido com a Marina Silva. Quando Eduardo Campos morreu, muita gente falou: “Agora vai ser a Marina Silva”. Mas como ela tinha pouco tempo de horário eleitoral, pouco dinheiro, a campanha não foi para frente. Se o Bolsonaro não for para um grande partido, acho que a mesma coisa vai acontecer com ele. Se ele tiver 30, 40 segundos de televisão, não vai decolar. O Lula fica insistindo que vai ser candidato, mas na minha opinião, ele não quer ser candidato e, além disso, não quer ganhar eleição. A pior coisa que pode acontecer para o Lula agora é ele ganhar a eleição. Ele vai ficar mais quatro anos na vidraça, talvez sofrendo impeachment. A melhor coisa que pode acontecer com o Lula agora é ele não ser preso, mas se tornar inelegível, ser condenado, não ficar preso, para poder ficar falando para todo mundo que seria presidente, mas a Justiça não deixou. Resta-nos aí um candidato de centro, talvez (Geraldo) Alckmin ou Henrique Meirelles. Se a gente conseguir se manter nesse centro, sem grandes redentores à esquerda ou à direita, seria o melhor caminho.
Qual seria o nome da esquerda na falta de Lula? Ciro Gomes. Acho que, se ele entrar, já está no segundo turno. Ele deve ter provavelmente grande parte do eleitorado da esquerda no Sul e Sudeste e grande parte do Nordeste, então isso já o colocaria no segundo turno. Muita gente não acredita porque ele não é muito carismático, brigou com as mulheres dias atrás, então parece que a esquerda não vai gostar muito dele.
Tem algum político que você considera sem chance para a próxima eleição? Aécio Neves, acho que esse talvez nem deputado federal ele consiga se eleger por Minas. O Lula também, acho que parece que está vivo, mas está morto.

O quanto você acha que os governos do PT foram bons e o quão tóxicos foram para o país? Sabe quando você está pegando uma estrada de terra, a 60 km/h, e de repente chega o asfalto e dá aquele alívio. Isso estava acontecendo no Brasil com Fernando Henrique, a gente passou por um pedregulho, depois chegamos ao asfalto. O Lula manteve o país no asfalto, pelo menos até 2008, com alguns problemas, manteve o tripé econômico do FHC, mas a Dilma de repente deu um cavalinho de pau e colocou a gente de volta na estrada de terra. Na verdade, no segundo mandato do Lula, as coisas já começaram a piorar. O governo começou a gastar mais do que podia e a fazer leis que só nos atrapalharam, como a lei de conteúdo nacional da Petrobras ou de participação da Petrobras em todos os leilões.
O Tempo

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