Um novo vírus descoberto na China, denominado vírus de áreas úmidas (WELV), tem despertado atenção global. Transmitido por carrapatos, o WELV foi identificado pela primeira vez em um homem de 61 anos, na região da Mongólia Interior, em 2019. Ele apresentou febre, dores de cabeça e múltiplas falhas orgânicas após uma picada de carrapato. Desde então, a comunidade científica tem buscado entender os mecanismos e os perigos que esse vírus representa, especialmente para o sistema nervoso central (SNC).
Como o WELV Afeta o Sistema Nervoso Central?
Segundo o Dr. Fabiano de Abreu Agrela, pós-doutor em Neurociências e membro da The Royal Society of Medicine, o WELV tem um potencial neurotrópico significativo, ou seja, pode invadir e afetar o cérebro de forma direta. “O vírus pode danificar os neurônios, levando à sua morte através de processos como apoptose, "suicídio celular", além de causar inflamação cerebral severa”, explica ele. O impacto principal ocorre em neurônios e células gliais, importantes para a manutenção e proteção do SNC. “A micróglia, por exemplo, pode ser hiperativada, gerando uma inflamação tóxica que agrava os danos neurais”, comenta o especialista.
Outro efeito devastador envolve a excitotoxicidade. O WELV pode aumentar a liberação de glutamato, um neurotransmissor excitatório, em níveis tão altos que acabam matando as células nervosas. “Isso pode explicar os sintomas graves como convulsões e coma em alguns pacientes infectados”, esclarece o Dr. Fabiano.
Sintomas e Casos Documentados
Até o momento, 20 pessoas foram identificadas com a infecção pelo WELV na China. Todos os pacientes apresentaram febre, dores de cabeça, tontura, mal-estar, dores musculares e nas costas. Em alguns casos, houve complicações neurológicas, como coma. Felizmente, todos os pacientes hospitalizados se recuperaram, com alta hospitalar entre 4 e 15 dias.
Contudo, testes laboratoriais em ratos mostraram que o WELV pode causar infecções letais, atingindo diversos órgãos, incluindo o cérebro, o que reforça o potencial de letalidade do vírus em certos contextos. “Apesar da recuperação dos humanos até agora, em modelos animais observamos que o WELV pode ser fatal, principalmente quando afeta regiões do cérebro responsáveis pela regulação de funções vitais, como o tronco encefálico”, alerta o Dr. Fabiano.
Letalidade e Riscos Globais
A letalidade do WELV ainda não está totalmente clara, mas a gravidade das infecções em ratos sugere que o vírus pode ser perigoso, principalmente para populações vulneráveis. O fato de o vírus ser transmitido por carrapatos limita a transmissão direta entre humanos, mas não exclui a possibilidade de surtos localizados em áreas de risco. “O que sabemos até agora é que a transmissão ocorre por meio de picadas de carrapatos infectados. Isso reduz o risco de propagação rápida, mas, ao mesmo tempo, precisamos estar atentos à disseminação dos vetores”, afirma o neurocientista.
Riscos de Chegada ao Brasil
Com a globalização e o intenso fluxo de mercadorias e pessoas entre continentes, há sempre um risco potencial de o WELV alcançar outras regiões, como o Brasil. O país tem características ambientais que poderiam abrigar os carrapatos hospedeiros do vírus, como o Pantanal e a Amazônia. “Embora ainda não haja registros do vírus no Brasil, as áreas úmidas e as espécies de carrapatos presentes no país poderiam atuar como vetores, se o WELV chegasse aqui por meio de animais infectados ou mesmo de pessoas que visitaram regiões afetadas”, comenta o Dr. Fabiano. Segundo ele, é importante que haja uma vigilância constante para monitorar possíveis novos vetores no país.
Biologia do WELV
O WELV pertence ao gênero Orthonairovirus, um grupo de vírus de RNA negativo, que inclui outros patógenos perigosos, como o vírus da febre hemorrágica da Crimeia-Congo. O material genético do WELV foi encontrado em cinco espécies diferentes de carrapatos, sendo a Haemaphysalis concinna a mais afetada. “O vírus se dissemina pelo sangue e pode atingir diversos órgãos, incluindo o cérebro. Sua estrutura genética e a maneira como infecta o organismo indicam que ele é altamente adaptável e pode, em condições propícias, causar surtos significativos”, alerta o especialista.
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