domingo, 8 de maio de 2016

Solidão crônica caminha para se tornar uma nova epidemia

O TEMPO

De repente, o isolamento, a falta de confiança e a desesperança vão dando lugar a um sentimento de solitude cada vez mais presente e confortável para quem o tem. Essa é a solidão crônica, que, sem distinção de idade, raça, religião ou condição social, já é considerada por inúmeros especialistas a doença mais comum na sociedade contemporânea, segundo a psicoterapeuta conjugal e familiar Karine Lacerda.

Qualquer um pode sofrer com solidão crônica: uma criança de 12 anos que muda de escola; um jovem do interior que se sente perdido em uma grande cidade ou uma executiva que está ocupada demais com sua carreira para manter boas relações com seus familiares e amigos. “A busca intensificada por sucesso, dinheiro e reconhecimento, a falta de tempo para nos dedicarmos aos que amamos, as condições econômicas, a necessidade de se entregar aos estudos ou ao trabalho, a pouca confiança para se revelar verdadeiramente aos amigos. Tudo isso constitui aspectos do mundo moderno que intensificam o fenômeno da solidão crônica”, diz ela.<

E, então, aquela introspecção positivamente necessária em momentos de decisão e de autoconhecimento vai dando lugar à doença que se manifesta pelo sentimento de rejeição, abandono, dor e sofrimento. “A solidão passa a ser patológica quando incomoda, interfere no sono, diminui a imunidade, aumenta os níveis de intolerância ao estresse e quando associada à depressão e à ansiedade”, enumera Karine .

Por esses motivos, o diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA), John Cacioppo, um dos maiores especialistas sobre o assunto no mundo, estima que mais de uma em cada três pessoas nos países ocidentais já se sente sozinha habitualmente ou com frequência. Uma análise recente de 70 estudos com mais de 3 milhões de participantes mostra que a solidão aumenta o risco de morte em 26% – aproximadamente o mesmo que a obesidade.

Universo particular. Desde muito nova, a universitária Ana Carolina Dias, 20, gostava de ficar sozinha em seu “universo particular”, comportamento que sempre preocupou a mãe. “Em eventos familiares ou em grupos, eu sempre arrumava um jeito de me esquivar e ficar em um canto isolado. Com o passar do tempo, essa necessidade de solidão foi aumentando”, conta.

Porém, na adolescência, essa vontade começou a atrapalhar a vida social da jovem. “Minhas amigas nunca entendiam por que eu não queria ir a festas, não queria me socializar com desconhecidos, só queria ficar quietinha em casa, assistindo a séries, lendo livros e pensando. Não demorou muito para que amizades fossem desfeitas”, lamenta Ana Carolina.

Relações mais frágeis.A professora de ioga, mestra de reiki e terapeuta holística Ailla Pacheco recebe em seu consultório quem se sente solitário, mesmo quando rodeado de outras pessoas, redes sociais e aplicativos de relacionamentos. “Nossa cultura ensina que somos metades de laranjas e que, para nos tornarmos efetivamente completos, precisamos encontrar no outro ou nas ‘coisas’ nossa metade”. Dessa forma, ela explica, seguimos repletos de comportamentos e relações ilusórias, buscando constantemente suprir no mundo externo o vazio que, na verdade, está no mundo interior e na falta de conexão consigo mesmo.

No caso da aposentada Silvânia França, 61, a solidão se tornou sua companhia mais constante depois da perda do marido e da mãe e de ver os filhos saírem de casa. “Eu me sinto mais sozinha quando chego em casa à noite e não tenho ânimo para fazer nada, só esperar pelo dia de amanhã. Já tentei ser uma mulher que viaja e passeia sozinha, mas não tenho vocação. Tive dias de me sentir tão sozinha que liguei de um telefone para o outro só para fazer barulho, como se fosse outra pessoa”, conta.

Esse fenômeno coletivo acontece porque, segundo Karine, uma pessoa acometida pela solidão duradoura não encontra prazer nas pequenas realizações. Essas manifestações podem também ser um indicativo de depressão e um pedido de socorro inconsciente. “A ajuda pode vir de forma delicada. Demonstrar interesse por quem se sente só, dedicar tempo a essa pessoa, conversar sobre sensações parecidas, acolher a dor de quem sofre já é um bom começo”, orienta a psicoterapeuta.

Vivendo uma batalha interna

Em sua luta diária contra a solidão, a aposentada Silvânia França conta que percebe os efeitos desse sentimento no próprio corpo. “Sinto cansaço, vontade de ficar na cama, desânimo. Às vezes, quando acordo, fico com vontade de dormir e não levantar mais”, diz.

Ela, porém, afirma que uma de suas estratégias é ajudar outras pessoas para ver ser consegue substituir a solidão. “Parece que alivia um pouco”, reconhece a aposentada.

E, quando o abatimento se instala, Silvânia pensa em viver cada dia como se fosse o último. “Você tem que saber sobreviver sozinha. Prefiro ter fé e acreditar que um dia após o outro pode ser melhor, mas sem muita esperança”.
Depoimento
Ana Carolina Dias - 20 anos, estudante de jornalismo

“A solidão é subestimada. Algumas pessoas não entendem que não é que você seja uma pessoa antipática, mas que sua companhia basta. Eu me basto para que minha felicidade esteja completa. Apesar de nova, já me relacionei com pessoas por tempo suficiente para compreender que estar comigo é muito bom e que nem sempre necessitamos de companhia.

A cantora americana Tanya Davis escreveu a música “How To Be Alone” (Como Ser Sozinho). Nela, ela explica que não há problema nenhum em estar sozinho, você só precisa se dar a oportunidade de experimentar a solidão. A parte que mais me faz refletir é: ‘A sociedade tem medo da solidão. Como se corações solitários estivessem desperdiçando suas vidas (...). Mas solidão é uma liberdade fácil e leve, e a solidão é curativa se você quiser’. Essa é minha relação com a solidão. Uma sensação de liberdade e compromisso comigo mesma que não encontrarei em nenhum outro lugar.”
O Tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário