sexta-feira, 13 de julho de 2018

Fábula do Brasil

Amadeu Garrido de Paula

Literatos firmaram que a fábula se inicia com um enredo trágico e finda-se no encontro da saída do labirinto.
Todos sabem que nossa fábula recente nos expôs sob a tempestade.

A assunção do poder por um bloco formado por grupos heterogêneos de esquerda (diz-se num momento distante que a esquerda não se harmonizava nem mesmo em reunião num fusca). A vitória do PT teria uma virtude inicial - demonstrar ao mundo que o Brasil não fora tomada por marxistas-leninistas e por nenhuma ditadura - muito a gosto, essa mensagem de tranquilização do mundo,  do sociólogo que o precedeu no poder.

Desde logo a economia de mercado percebeu que não entrara em transe. O mundo capitalista continuaria inclusive com aperfeiçoamentos. O núcleo do poder se entendera muito bem com os empresários - até demais, para além das cercas da lei.

A conduta não era novidade, para quem conhecera as experiências de governo do PT nas unidades menores da Federação.

Aos clientes ideológicos e à imensa maioria do povo, o PT daria o assistencialismo, que não muda estruturas, antes as consagra. O tal populismo de esquerda.

O pior de tudo, no início da fábula, é que essa coalizão entre um partido trajado de roupas de esquerda e o empresariado e o mercado tinha um preço altíssimo a ser pago pela população brasileira. O preço da corrupção, que alimentou sonhos dos que ascenderam ao poder e se aliaram às elites tanto combatidas. O ouro magnífico e atraente é um material também altamente corrosivo. 

Assim se dessangraram no Brasil as hostes da esquerda. Sua dissolução teve um espectro mundial, dadas as expectativas ilusórias das correntes "progressistas" do mundo de verem surgir no Brasil, pelo menos, um estado de bem estar social. 

Os bilhões despejados pelo ladrão não foram minimamente recuperados. E prisão do malfeitor, por si só, não nos restaura o que foi surrupiado. Se medidas severíssimas foram adotadas no campo criminal - um ex-presidente preso e outras coerções significativas - ficaram muito aquém das necessárias, por um lado; compare-se a tragédia do BNDES com a da Petrobrás. Mas, no campo civil, da reparação, da indenização do povo brasileiro, da recuperação de recursos, sempre possível, porquanto os bens materiais não se volatilizam como o perfume num frasco aberto, o que se fez, até hoje, não superou o mínimo dos mínimos. E muitos anos se irão, pelo andar da carruagem, para que o Ministério Público e a Justiça reponham algo simplesmente razoável a um povo roubado.

A tragédia inicial da fábula pode estar levemente esboçada por essas palavras. Resta saber se promoveremos nosso salto quântico ou se caminharemos às lágrimas para a entropia, a dissolução irreversível.

A irreversibilidade do tempo conduz o simples ao complexo; mas gera também a dissolução fatal. Em seu primeiro momento, gera a ordem e a desordem. A desordem é uma ordem, mas que não nos interessa. 

A ordem que pode nos salvar, a caminhada do simples para o mais complexo, poderá ter início num novo governo, cujo protagonista principal não será o salvador da pátria, o livre atirador operador de milagres. No desenvolvimento cósmico, orgânico, geológico, astronômico, a lei da morte entrópica é comumente superada sob a observação e interação desse ser extraordinário, conhecido como homem; no plano político, é preciso ciência e ética.

Nossa nação é possuidora desse potencial. Nas próximas eleições basta que nosso mundo possível não se transforme num buraco negro; o que será inevitável se insistir-se no culto à personalidade, na avaliação superficial e tosca, no discurso fácil, no prosseguimento do populismo, no voto em alguém que não tenha consciência de que nossa história, até hoje, seguiu as pegadas da simplicidade e não evoluiu para o complexo, que nos é imposto pela realidade desafiadora de um país continente. Fora disso nossa fábula estará inserida entre as tragédias. 

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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