domingo, 1 de julho de 2018

Os fantasmas da Engenho Nogueira

O TEMPO

Laura Medioli

PUBLICADO EM 01/07/18 - 04h00
Antes de existir a avenida Presidente Carlos Luz, mais conhecida como Catalão, havia no local uma estradinha escura e esburacada, de nome Engenho Nogueira. Era a rua de nossa casa, único acesso ao atual bairro Ouro Preto, na região da Pampulha. Do outro lado da estrada, existia uma fazenda, onde corria o córrego Mergulhão e morava um homem de nome Alicanoa com sua família. Tantos anos se passaram, e nunca me esqueci desse nome.
De vez em quando, a meninada lá de casa cismava de brigar com a meninada do seu Alicanoa, e a estradinha de Engenho Nogueira, de uma hora para outra, se transformava em palco de pedras e mangas voadoras. A guerra acabava sempre com a interrupção de algum adulto, que, consciente do perigo, intrometia-se, dando um fim às batalhas. Felizmente, que eu me lembre, nunca ninguém se machucou durante nossos conflitos limítrofes.
Uma das recordações mais presentes que tenho da Engenho Nogueira é a de uma noite escura, em que meus irmãos Paulo e Virgílio, vestidos de caveira e com uma vela na mão, se posicionaram em uma das margens, à espera de algum dos pouquíssimos carros que por ali trafegavam.
A meninada estava eufórica. Do lado de dentro da cerca, aguardávamos ansiosos a vinda da primeira “vítima”.
De repente, um farol, um Simca que se aproximava. Um grito e uma freada.
– Filhos da puuuuuuuuuuuu..........! – foi o que ouvimos, enquanto saía do carro, possesso e armado, um homem com cara de poucos amigos, acompanhado por uma mulher não menos histérica.
– Iiiih, deu zebra! – pensamos. Nesse meio-tempo, eu e meu primo Marquinhos corremos em casa para avisar à mamãe: – Mãe, corre, que tem um homem querendo matar os meninos lá embaixo.
Com essa, quase matamos minha mãe.
Enquanto isso, Virgílio, apavorado, embrenhou-se no meio do mato, indo se esconder no brejo da fazenda do Alicanoa.
– Cadê meu irmão? – gritava o Paulo. – Você matou meu irmão! – insistia desesperado. E o homem, indiferente às aflições do menino, continuava a esbravejar. Minha mãe entrou no meio da briga e, assim como todos, ouviu muitos desaforos.
– Mas ele é apenas um garoto! – dizia aflita, como a se desculpar da brincadeira de mau gosto.
– Foi só por isso que não meti bala neles, do contrário estariam mortos!
Dizia isso aos berros enquanto gesticulava com a arma na mão. Ainda bem que meu pai estava viajando.
E o Paulo insistia:
– Cadê meu irmão? Você matou meu irmão!
Aí é que nos demos conta do sumiço do Virgílio, que, depois da poeira abaixar, saiu do mato tremendo feito uma vara e branco feito a roupa que vestia.

Depois disso, nunca mais brincamos de assombração nas margens escuras da estradinha de Engenho Nogueira.

O Tempo

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