domingo, 21 de fevereiro de 2016

Uma nuvem cinza de incertezas paira sobre Ipatinga e região

Ipatinga. Seis trimestres seguidos com as contas no vermelho. Milhares de demissões em Cubatão. Boatos de que um pedido de recuperação judicial está a caminho. Com essa tempestade financeira na Usiminas, uma nuvem cinza carregada de incertezas pairou sobre Ipatinga. “Se ela fechar, a cidade também fecha”, dizem os moradores do município do Vale do Aço, que cresceu em torno da siderúrgica.
O maior medo é o de perder o emprego. E ele é tão grande, que praticamente ninguém quer falar a respeito da crise com a reportagem. A empresa é responsável por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) da cidade, emprega 6.500 pessoas diretamente e, pelo menos, mais 6.500 indiretamente, incluindo as prestadoras de serviço. Sem dar seu nome, um trabalhador conta que, dentro da empresa, as conversas giram em torno da preocupação sobre o que vai acontecer com os empregos e com os salários. “A gente sai de casa todo dia para trabalhar, sem saber se vai voltar empregado”, desabafa.

Do lado de fora, o dono da banca de jornais instalada em frente à Usiminas há mais de 30 anos conta que todos os dias ouve os trabalhadores falando de insegurança. “Eles têm medo de acontecer o mesmo que ocorreu em Cubatão (paralisação da produção de placas e 1.800 demitidos). Essa iminência de fechar deixa todo mundo apreensivo”, afirma Márcio Luiz Vasconcelos.
Também na porta da empresa, Fernando de Oliveira viu o movimento despencar 75% no último ano, desde que a Usiminas desligou um dos três alto-fornos. “Eu vendia cem bolos por dia, agora são 20. Vendia 30 roscas, agora são cinco. Costumava trazer meu filho para ajudar, hoje já nem precisa mais”, conta.
Na última quinta-feira, junto com os resultados de 2015, a Usiminas divulgou duas surpresas. O prejuízo de R$ 1,6 bilhão do quarto trimestre foi três vezes pior do que os R$ 500 milhões que o mercado esperava. Já o esperado plano de recuperação, apontado como solução para a empresa conseguir refinanciar suas dívidas e fugir da recuperação judicial, não veio.
A solução de capitalizar a empresa depende do consenso entre os dois acionistas majoritários, que controlam a siderúrgica. Desde setembro de 2014, é a japonesa Nippon Steel que está à frente da gestão. Os sócios da ala ítalo-argentina Ternium/Technit afirmam que a injeção de capital só será possível se houver um verdadeiro choque de gestão. Pelo modelo do acordo de acionistas, qualquer decisão só pode ser tomada se ambas as partes concordarem integralmente.
Durante a apresentação dos resultados, o diretor vice-presidente da Usiminas, Ronald Seckelmann, disse que há consenso sobre a necessidade de capitalizar a empresa, e só falta definir qual a melhor forma, o que será feito em uma reunião no começo de março. Pelo menos até lá, a nuvem cinza continuará pesando sobre Ipatinga.
Prefeita quer ajudar empresa

Ipatinga. 
O governo do Estado está articulando uma força-tarefa para tentar mediar a crise interna e salvar a siderúrgica. Já colocou recursos do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) à disposição. Mas, sozinho, ele não é capaz de socorrer a Usiminas, que deve cerca de R$ 8 bilhões.
“Como se não bastasse a crise econômica que está reduzindo os recursos, temos essa peculiaridade da situação da Usiminas, que é muito importante para a cidade. A prefeitura está disposta a sentar para discutir e fazer o que for possível para ajudar”, afirma a prefeita de Ipatinga, Cecília Ferramenta (PT).
Cofre da cidade já sente efeito

Ipatinga
. A cada R$ 100 gerados em Ipatinga, pelo menos R$ 55 vêm da Usiminas. Segundo levantamento mais recente da Secretaria Municipal da Fazenda, dos R$ 5,67 bilhões do Valor Adicionado Fiscal (VAF) da cidade, R$ 3,14 bilhões são provenientes da siderúrgica. Essa relação já foi muito maior. Em 2011, chegou a 63,3%.

O secretário da Fazenda, Fábio Mussi, afirma que, só do IPTU, a empresa responde sozinha por 51% da arrecadação. A forte participação indica a dependência do município com a receita gerada pela Usiminas direta e indiretamente. Se ela não vai bem, cai também a arrecadação de impostos ligados ao comércio e serviços como ISS e ICMS, pois eles incidem sobre as vendas, que acabam encolhendo.

Segundo Mussi, no geral, a arrecadação da cidade até subiu 1,8% de 2014 para 2015. Mas o que fez subir foram as receitas de transferência, aquelas que são repassadas pelo Estado e pela União e já chegam com destino definido. “A receita de livre movimentação, que é a que usamos para custeio geral como pagamento da folha e investimentos, caiu. E isso traz impactos como cortes de contratos”, explica.

Só nessas receitas de livre movimentação, a queda foi de 6,44%. A interferência da Usiminas na arrecadação pode ser verificada principalmente depois do mês de maio do ano passado, quando a siderúrgica desligou um dos seus três alto-fornos para ajustar a produção, desencadeando demissões diretas e nos prestadores de serviços. Em todo o ano, foram retidos R$ 5,97 milhões. Até maio, a média mensal girava em torno de R$ 600 milhões. A partir de junho, essa média caiu para R$ 400 milhões.

Segundo a prefeita Cecília Ferramenta (PT), os investimentos prioritários em saúde e educação e as obras em andamento foram mantidos. “É um grande desafio, pois, num momento em que a população depende mais dos serviços públicos, temos que otimizar recursos”, afirma.
O Tempo

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