sábado, 20 de fevereiro de 2016

Trova do Vento que Passa

Para António Portugal 


Pergunto ao vento que passa 
notícias do meu país 
e o vento cala a desgraça 
o vento nada me diz. 

Pergunto aos rios que levam 
tanto sonho à flor das águas 
e os rios não me sossegam 
levam sonhos deixam mágoas. 

Levam sonhos deixam mágoas 
ai rios do meu país 
minha pátria à flor das águas 
para onde vais? Ninguém diz. 

Se o verde trevo desfolhas 
pede notícias e diz 
ao trevo de quatro folhas 
que morro por meu país. 

Pergunto à gente que passa 
por que vai de olhos no chão. 
Silêncio - é tudo o que tem 
quem vive na servidão. 

Vi florir os verdes ramos 
direitos e ao céu voltados. 
E a quem gosta de ter amos 
vi sempre os ombros curvados. 

E o vento não me diz nada 
ninguém diz nada de novo. 
Vi minha pátria pregada 
nos braços em cruz do povo. 

Vi meu poema na margem 
dos rios que vão pró mar 
como quem ama a viagem 
mas tem sempre de ficar. 

Vi navios a partir 
(Portugal à flor das águas) 
vi minha trova florir 
(verdes folhas verdes mágoas). 

Há quem te queira ignorada 
e fale pátria em teu nome. 
Eu vi-te crucificada 
nos braços negros da fome. 

E o vento não me diz nada 
só o silêncio persiste. 
Vi minha pátria parada 
à beira de um rio triste. 

Ninguém diz nada de novo 
se notícias vou pedindo 
nas mãos vazias do povo 
vi minha pátria florindo. 

E a noite cresce por dentro 
dos homens do meu país. 
Peço notícias ao vento 
e o vento nada me diz. 

Mas há sempre uma candeia 
dentro da própria desgraça 
há sempre alguém que semeia 
canções no vento que passa. 

Mesmo na noite mais triste 
em tempo de servidão 
há sempre alguém que resiste 
há sempre alguém que diz não. 

Manuel Alegre, in 'Praça da Canção' 

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