segunda-feira, 15 de maio de 2017

Renascimento da palavra escrita

O Tempo

Flávia Denise






PUBLICADO EM 15/05/17 - 03h00
Ouvi, recentemente, um lamento sobre o fim da palavra escrita. “Somos uma cultura viciada em imagens, o texto e o autor não são mais importantes, e a literatura perdeu seu lugar”, decretou um amigo que, sendo um estudioso do texto, me fez parar para pensar. É impossível discordar da parte em que ele fala sobre nossa cultura imagética quando vemos, em todo lugar, provas de que somos treinados, cada vez mais, a reconhecer, celebrar e exigir uma estética primorosa. Os memes e quadrinhos ganharam espaço na hora de ilustrar momentos indescritíveis da nossa vida, as páginas das revistas são recheadas de mulheres impecáveis, e emojis parecem ameaçar a existência do alfabeto nas conversas de WhatsApp.
Até mesmo o livro, que é uma história narrada em palavras, está fadado ao esquecimento se não tiver como capa uma imagem que resuma seu sentimento. Também é difícil dizer que o autor de hoje tem o reconhecimento que teria em outras épocas quando meu amigo me lembra de que textos publicados por grandes nomes da literatura ou do jornalismo recebiam respostas diretas de políticos importantes, criando correspondências públicas que ajudavam a decidir os rumos do país, tamanha era a relevância da opinião do autor.
Contudo, apesar da lucidez de suas palavras, me vi buscando argumentos para rebater. A palavra escrita pode estar em baixa, mas ela está longe de chegar ao fim. Em uma era em que a informação chega ao leitor como um bombardeio, é natural a busca por simplicidade – é mais fácil compreender, com um olhar de relance, uma imagem do que um texto. Porém, só quem faz a atividade periódica de ordenar seus pensamentos na escrita sabe como é complicado exprimir ou compreender uma ideia complexa em 140 caracteres ou menos.
Felizmente, o mesmo avanço tecnológico que transformou a sociedade da forma negativa que o meu amigo descreve está, também, formando escritores. Eles começam mandando pequenas mensagens para os amigos, acrescentando alguma informação crucial a uma imagem antes de compartilhá-la em redes sociais. Algo como “curtindo a vida no sítio”. Aos poucos, as indignações diárias vão se infiltrando, e os comentários ficam mais complexos: “Em que país vivemos? Como é possível o quilo da cebola chegar nesse preço?”. Por fim, quando há um grande tema ou debate que envolve toda a nação – como foi o caso dos protestos de julho, da Copa do Mundo, das eleições e, finalmente, da crise econômica – a imagem vira mera ilustração, e o texto cresce até alcançar a distinção de “textão”. A tendência é tão forte que até mesmo o Twitter desistiu da sua limitação e liberou, na última semana, o envio de textos maiores.
Diferente do que pode parecer após uma visita ao feed do Facebook, a comunicação em texto não é um luxo, é uma necessidade. É uma solução para o diálogo entre seres humanos que demorou milhares de anos para ser desenvolvida. Vivemos em uma sociedade imagética? Sem dúvida. A palavra escrita está em baixa? Sim, ela está. Mas também é fato que não dá para opinar com uma imagem ou meia dúzia de palavras.
É preciso espaço; é preciso um encadeamento de palavras e ideias. Encadeamento esse que eventualmente sai das redes sociais que prezam a mensagem rápida e encontra espaço para ser desenvolvido em outras plataformas, que prezam a complexidade de ideias, como o Medium.
Eventualmente, com o avanço desses novos escritores, até isso será insuficiente, e eles partirão para o terreno mais fértil da escrita: a literatura.

Há quem me acuse de ser otimista (como é o caso do meu amigo), mas é fato que vivemos um momento de transição. Por que não, numa era tão sombria, vislumbrar um desfecho positivo?

O Tempo

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