sábado, 9 de dezembro de 2017

Há exatos quarenta anos, morria Clarice Lispector

Um clássico é uma obra que não terminou de dizer aquilo que tinha para dizer, segundo o escritor italiano Italo Calvino (1923- 1985). Essa máxima se adequa à produção literária de Clarice Lispector (1920-1977). Os livros da escritora, falecida em decorrência de um câncer de ovário em 9 de dezembro de 1977, no Rio, têm muito ainda a revelar. “O texto dela não tem resposta, não é uma solução para algum problema”, observa o professor de literatura brasileira, Sérgio Roberto Montero Aguiar.
A obra de Clarice permanece “viva, muito viva”, segundo Nadia Gotlib, doutora em Literatura Portuguesa pela UPS e autora do livro “Clarice – Uma Vida que Se Conta”. “O interesse por sua obra deve-se, entre outras razões, à diversidade de sua produção, que inclui crônicas, contos, romances, literatura infantil, uma peça de teatro. E há ainda as cartas e entrevistas que fez com personalidades do mundo artístico e intelectual para as revistas ‘Manchete’ e ‘Fatos e Fotos/Gente’. Escreveu quase 500 páginas femininas”, pontua.
Para Nadia, “há várias Clarices para diferentes leitores”. A ucraniana naturalizada brasileira não só realizou um trabalho diversificado – a escritora atuou também como tradutora e adaptou várias obras de autores de literatura estrangeira, como contos de Edgar Allan Poe e romances de Agatha Christie –, como “consegue registrar, com aguda perspicácia, os meandros ou labirintos da alma humana”.
Um exemplo disso é “A Paixão Segundo G.H”, publicado em 1964 e que narra o processo de profunda imersão em si mesma pelo qual passa a dona de casa G.H. a partir de um acontecimento banal: com a despedida da empregada, ela decide arrumar o quarto de serviços, onde encontra uma barata e a esmaga. G.H. decide, então, provar o interior branco do inseto. Nadia analisa que, com o enredo, Clarice “explora os movimentos da intimidade de personagens, que, de repente, se encontram em situações de crise, de risco, em que antigas estruturas se rompem, abrindo novas perspectivas de vida”.
“Há que considerar também que sua obra provoca uma verdadeira revolução de valores e de padrões de comportamento, na medida em que reivindica a justiça, critica a violência, denuncia a discriminação e a miséria social”, analisa Nadia, ao destacar: “‘A Hora da Estrela’, seu último romance publicado em vida, é um exemplo dessa postura questionadora, tanto do ponto de vista de um ‘retrato do Brasil’ pungente, quanto do ponto de vista estético, inovador no seu modo de contar a história da nordestina pobre na cidade do Rio de Janeiro”, analisa Nadia”.
Com base nos dados do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, promovido pela Biblioteca Nacional, Clarice desponta como a autora mais solicitada por editoras estrangeiras, acompanhada de perto por Machado de Assis. Chega a 40 o número de apoios concedidos a projetos de tradução de seus livros, para 16 idiomas em 20 países diferentes.

 

Íntima relação com a linguagem

Clarice Lispector foi uma escritora que tinha profunda intimidade com a linguagem. Essa é a avaliação do professor da UFMG e crítico literário, Wander Melo Miranda. “Um dos pontos principais da literatura de Clarice é a relação que ela estabelece do ser o humano com a linguagem, sempre com profundidade. Há mulheres escritoras brasileiras que escreveram ficção e poesia, mas não existe nenhuma que tenha feito da mesma maneira do que ela”, opina.
Na opinião do crítico, não existe outro escritor que tenha vindo depois de Clarice que tenha uma obra em que a linguagem se assemelhe com a dela. “Esses gênios, tipo a Clarice, são isolados. Ela influencia a escrita de maneira geral”, observa.
Nadia, por sua vez, aponta Caio Fernando Abreu como um pupilo de Clarice. “(Ele) me confessou certa vez essa forte influência, que pode ser comprovada lendo seus textos”, diz Nadia.
Para Sérgio Roberto Montero Aguiar, a marca de Clarice na literatura é a sua aproximação com a palavra e a sua atemporalidade. “A Clarice transcende a literatura e deve-se colocá-la nessa classificação só por uma questão pragmática. Existem autores que envelhecem com o tempo, a Clarice, não”, destaca.
O professor ministrará neste sábado (9) a palestra “Clarice Lispector na Voz em Drama de Maria Bethânia”, em Poços de Caldas, na qual apresenta ao público registros da cantora em que declama poemas de Clarice. “Acho que a Bethânia se identifica com a Clarice porque era muito interiorana. Tem uma frase da Bethânia que resume bem isso: ‘é uma tímida ousada’”, afirma.
Novidades no cinema e na TV
“A Paixão Segundo G.H”, livro de Clarice Lispector escrito em 1964, vai ganhar o cinema em 2020 pelas mãos do diretor Luiz Fernando Carvalho. A atriz Maria Fernanda Cândido será a protagonista, e as filmagens já devem começar no ano que vem. No canal por assinatura GNT, a apresentadora Regina Casé participa do programa “Palavras em Série”, no dia 30, às 22h15, interpretando uma das crônicas de “A Descoberta do Mundo”, escrita por Clarice em 1984. 
Comemoração
Em Belo Horizonte
O quê. Palestra “Clarice Jornalista”, com Aparecida Maria Nunes
Quando. Amanhã, às 15h
Onde. Fnac BH Shopping (rodovia BR–356, 3.049, Belvedere)
Quanto. Gratuito
Em Poços de Caldas
O quê. Palestra “Clarice Lispector na Voz em Drama de Maria Bethânia”, com Sérgio Roberto Montero Aguiar
Quando. Sábado (9), às 19h
Onde. Instituto Moreira Salles (Rua Teresópolis, 90, Jardim Estados)
Quanto. Gratuito
Clarice essencial,
por Wander Miranda
O Tempo

Nenhum comentário:

Postar um comentário