quarta-feira, 4 de abril de 2018

Brasileira é a primeira mulher editora-chefe da revista ‘Icarus’

Rosaly Lopes
Astrônoma
Gerente de Ciência Planetária do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL, na sigla em inglês) e editora-chefe da Icarus, cujo primeiro editor-chefe foi Carl Sagan.
A astrônoma brasileira que descobriu 71 novos vulcões em Io (uma das luas de Júpiter) e que possui cargo de chefia na Nasa é a primeira mulher – não americana – nomeada como editora-chefe da “Icarus”, uma das revistas científicas mais relevantes no campo da ciência planetária, fundada em 1962.
Gostaria de você contasse como foi o convite e a nomeação para a chefia de uma das principais revistas científicas, a “Icarus”?
O antigo editor-chefe resolveu se aposentar do cargo e então anunciou que pessoas poderiam se candidatar ao cargo. Então eu me candidatei. Em seguida, fui entrevistada pela Elsevier, que publica a revista científica, e também pela divisão de ciências planetárias do Comitê da Sociedade Astronômica Americana, e me escolheram.
Você vai abandonar o cargo atual na Nasa?
Não. Inclusive, o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa (JPL, na sigla em inglês), no qual trabalho, me dá permissão para que eu passe uma parte do meu tempo fazendo esse trabalho para a revista científica “Icarus”, que não é um trabalho de tempo integral. Gasto mais ou menos metade do meu tempo nesse trabalho. E eu tenho muitos outros projetos aqui. Ainda estou analisando dados na missão Cassini (que explorou Saturno e suas luas), tenho verbas de pesquisas, então eu ainda tenho muitas outras coisas para fazer aqui. E também a pesquisa sobre Titã, a maior lua de Saturno.
Em outras entrevistas, você contou que a decisão pela astronomia para ajudar a exploração espacial como cientista veio logo quando percebeu algumas barreiras, ainda criança. Como foi isso?
Eu tive realmente barreiras e eu sabia que não podia ser astronauta porque eu era muito míope. Também naquela época, só teve uma mulher, uma russa, que foi astronauta, e eu era brasileira, nem americana, nem russa e ainda míope. Então, eu sabia que não ia dar para ser astronauta. Então resolvi ser astrônoma para ajudar a exploração espacial.
Quem era sua inspiração?
Foram os livros e filmes de ficção científica assim como o filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”, além do programa Apollo. Eu também li uma reportagem sobre a missão Apollo 13 publicada no jornal em que mostravam uma mulher chamada Francis Northcard que trabalhava no Johnson Space Center, e então eu vi que tinha uma mulher trabalhando lá, ela fazia cálculos de trajetórias. Eu nunca a conheci, mas ela foi importante para mim porque me mostrou o exemplo de que uma mulher podia estar num cargo assim na Nasa.
Gostaria que contasse um pouco de sua trajetória até chegar à Nasa.
Eu saí do Brasil com 18 anos para estudar na Inglaterra. Fiz meu PhD e trabalhei no Observatório de Greenwich. Eu morei 13 anos lá, mas eu vi que fazer pesquisa na área de ciências planetárias na Inglaterra naquela época era muito difícil. Então eu tive uma oportunidade de vir para o JPL para fazer um pós-doutorado. Eu inclusive assumi um risco grande ao largar meu cargo público no Observatório de Greenwich, que era um trabalho muito garantido. Eu vim para os EUA inicialmente por dois anos, mas eles gostaram de mim, gostei deles, então fiquei.
Você descobriu 71 vulcões fora da Terra e foi incluída no “Guiness” por esse recorde. Como surgiu esse interesse?
Meu interesse em geologia planetária veio de quando eu estava fazendo meu curso na Inglaterra. Eu fiz um curso de geologia dos planetas, achei muito interessante e resolvi que eu queria seguir aquilo para o meu PhD. O professor John Gueest era um vulcanólogo, então ele foi uma inspiração. Eu fiz meu PhD com ele, passei a adorar o trabalho com vulcões e o trabalho de campo. Eu descobri os 71 vulcões em Io (uma das luas de Júpiter) quando estava trabalhando na missão Galileu, com um instrumento infravermelho que detectava o calor desses vulcões.
Qual a importância desses vulcões para o conhecimento do nosso planeta?
É muito importante entender o vulcanismo em outros planetas e luas, porque aí você pode entender muito melhor o vulcanismo na Terra. No nosso planeta, o movimento de placas tectônicas influencia muito onde estão os vulcões, como entram em erupção e de que tipo são. Em outros corpos celestes, como por exemplo em Io (lua de Júpiter), não tem movimento de placas tectônicas. Isso dá uma perspectiva muito maior de conhecer, de fazer os modelos físicos de vulcanismo e de entender realmente os vulcões na Terra.
Você batizou crateras de Mercúrio com nomes de maestros – Tom Jobim e Villa-Lobos. Conte mais sobre como isso surgiu e o que queria transmitir.
Faço parte de um comitê de nomenclatura da International Astronomic Union, a União Internacional de Astronomia. Dou sugestões para os nomes de acidentes geográficos, e, em Mercúrio, por exemplo, alguns acidentes geográficos têm nomes de artistas e compositores. Então dei essas sugestões. Também sugeri, e foi aprovado, batizar vulcões em Io de Tupã e Monã, que são deusas da mitologia indígena brasileira. Em Io, os vulcões são batizados com nomes de deuses e heróis da mitologia que têm ligação com fogo.
Você participa da maior missão da Nasa até Saturno, a Cassini, coordenando o mapeamento de Titã, o maior satélite do planeta. Quais foram os maiores avanços que nos ajudaram a conhecer mais o espaço e a Terra?
Uma das coisas mais interessantes que eu liderei foi o estudo da geologia de Titã que mostra que ela é uma lua que tem uma geologia muito parecida com a da Terra, embora seja uma lua muito distante e muito fria na superfície. É tão fria que o metano em Titã é como água na Terra. Ele pode existir como líquido, como sólido, como vapor. E o gelo em Titã é tão duro que é como se fosse uma rocha. Mas, apesar disso, Titã tem lagos, que não são de água, são de metano, Titã tem dunas, montanhas, vulcões, ou seja, a geologia é muito parecida. Isso mostra que mesmo em condições muito diferentes o produto final pode ter uma geologia parecida com a da Terra. Isso nos permite fazer modelos físicos dos processos geológicos muito melhor do que se nós só tivéssemos o exemplo da Terra.
O ambiente hoje na ciência ainda é predominantemente masculino?
Em termos de ciência planetária, que é o meu campo, as mulheres representam de 30% a 35% dos profissionais. Então, hoje não se nota muito esse fato de ter menos mulheres, e aqui nós vigiamos muito para não ter nenhuma discriminação. Sobre a maternidade, quando eu tive meu filho, eu tirei apenas duas semanas e meia de licença-maternidade e voltei a trabalhar, mas meu filho cresceu ótimo, está ótimo hoje em dia, já graduado em uma das melhores universidades dos EUA, a Cornell, então tudo deu muito certo.
Recentemente, o mundo perdeu Stephen Hawking, admirado e reconhecido por popularizar a física. Na sua avaliação, qual foi o legado do cientista?
O principal legado foi a maneira dele de viver, a maneira de ele ser positivo mesmo com a doença terrível que ele teve. Ele nunca desistiu de ter uma mente ativa e até disse uma vez que o fato de ele não poder fazer muitas coisas não o distraía da ciência, e ele podia passar muito tempo pensando. É uma inspiração enorme, porque ele foi muito positivo e soube até tornar o que era muito negativo numa coisa positiva e vai servir de inspiração para muita gente.
Para onde você acha que a ciência planetária vai caminhar? Quais devem ser os principais avanços nos próximos anos?

Temos muita ênfase agora em achar sinais de vida em outros planetas e luas. Também muita ênfase no que nós chamamos de “ocean world” ou mundos com oceanos e que não são de água na superfície, mas água embaixo de uma crosta de gelo, como tem nas luas de Saturno e Júpiter. Nós achamos que existe possibilidade de a vida ter se desenvolvido nesses mundos que têm água embaixo de uma crosta de gelo. Há missões planejadas para estudar essas luas e também voltar a Plutão que é um planeta muito interessante. Outro foco também são os exoplanetas – planetas que estão em volta de outras estrelas e que nós estamos descobrindo cada vez mais.
O Tempo

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