sábado, 3 de junho de 2017

Olga pelos olhos de sua filha

Recontar o passado e rever o sofrimento pelos quais seus pais Olga Benario e Luiz Carlos Prestes passaram certamente não foi tarefa fácil, mas a historiadora Anita Leocadia Prestes, hoje com 80 anos, não se furtou a revisitar a trajetória de sua mãe para a elaboração de biografia que lança hoje na capital (ela já era autora de obra sobre seu pai).
“Olga Benario Prestes – Uma Comunista Nos Arquivos da Gestapo” (Editrao Boitempo) é baseado em documentos inéditos do acervo produzido pela polícia secreta nazista sobre a militante comunista e judia, que começaram a ser disponibilizados em abril de 2015. Inclui relatórios, depoimentos, fotografias e cartas enviadas e recebidas para Olga, desde sua extradição do Brasil, em 1936, até sua morte na câmara de gás no campo de concentração de Ravensbrück, em 1942.
Os arquivos tinham sido apreendidos pelo exército soviético após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra, em 1945, e levados para Moscou. Na década de 60, o conjunto foi transferido para o Arquivo Central do Ministério da Defesa da antiga União Soviética e só foi tornado público 70 anos após o fim do conflito.
Os textos descobertos se referem sobretudo ao período em que Olga passou em campos de concentração. “A documentação nos arquivos da Gestapo sobre Olga é de cerca de 2.000 folhas, algo com que nenhum outro prisioneiro é contemplado. A Gestapo atribuía uma grande importância a minha mãe pelo fato de ela ter sido uma militante destacada do Partido Comunista da Alemanha e da Internacional Comunista, assim como mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes”, diz, por e-mail, Anita, que nasceu no cárcere alemão e viveu lá até os 14 meses, quando foi entregue a parentes paternos.
Na obra, além da trajetória da mãe, ela apresenta cerca de 50 cartas trocadas entre Olga e Prestes, encarcerado no Brasil, a sogra, Leocadia, e as cunhadas. Boa parte dos textos se refere à filha e à preocupação de Olga em relação a sua educação. Sete professores da língua alemã, que levaram cerca de um ano para selecionar e traduzir a documentação, a ajudaram a organizar o material para concluir o texto.
Há detalhes sobre o comportamento da prisioneira que jamais haviam sido divulgados, como as mentiras que contava e que, por vezes, lhe rendiam castigos físicos. “Essa documentação veio confirmar algo já sabido a respeito de Olga: sua intrepidez e coragem revolucionária, assim como alguns fatos até então desconhecidos, como sua carta de grande coragem dirigida ao chefe da Gestapo, por ocasião da minha retirada da prisão”, diz Anita.

Inspiração. A escritora acredita que a publicação desse livro pode ajudar para que atrocidades como as cometidas nesse período não se repitam. “Pode contribuir para que as novas gerações, ao tomarem conhecimento dos horrores praticados pelo nazismo, se mobilizem para impedir que algo parecido venha a acontecer nos dias atuais. Houve, para mim, momentos de grande emoção ao trabalhar com esse material”, revela ela.
Na sequência do texto principal, há uma colagem com fotos e reprodução de documentos. Textos que constroem um passado pessoal e histórico, e levam à reflexão sobre o futuro. “Vivemos um momento muito difícil, em que se confirma algo escrito por Karl Marx e repetido por Rosa Luxemburgo: se a humanidade não consegue avançar rumo ao socialismo, teremos a instalação da barbárie”, declara a escritora.
O Tempo

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