domingo, 11 de junho de 2017

A morte da Justiça Eleitoral

O TEMPO


Ricardo Corrêa

PUBLICADO EM 10/06/17 - 03h00




Morreu ontem, por 4 votos a 3, a Justiça Eleitoral brasileira. Pelas mãos de Gilmar Mendes, Napoleão Nunes, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira, foi enterrada após um velório que durou quatro dias. Vestidos de preto, prestaram suas últimas homenagens os ministros Herman Benjamin, Luiz Fux e Rosa Weber.
A agonia durou dois anos e meio e foi encerrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De nada adiantaram os remédios amargos aplicados pela operação Lava Jato ao longo de meses. A Corte recusou o tratamento e optou por ignorar o diagnóstico cristalinamente identificado em vastos exames solicitados por ela própria.

A partida deixa órfãos a democracia representativa, a lisura do processo eleitoral e os pudores dos que controlam ou sonham controlar os rumos do país.

Diante do que foi exposto em seus últimos dias, ficou evidente que a prática de caixa 2 e de abuso de poder econômico pode ser utilizada com naturalidade por qualquer chapa que dispute uma eleição presidencial, pelo simples fato de que a pretensa estabilidade política e a força das indicações aos tribunais superiores são o que dita o clamor punitivo de seus integrantes. Um candidato que use caixa 2, se perder, não será investigado. Se vencer, até será, mas poderá manejar o julgamento com sucessivos atrasos, ancorados em pedidos de vista de indicados que garantirão que o julgamento só aconteça quando a Corte tiver sido suficientemente modificada para garantir um resultado favorável.

A óbvia constatação sobre o que ocorreu no processo de cassação da chapa formada por Dilma e Temer em 2014 é inapelável. O processo foi aberto como parte de uma estratégia de desestabilização de um governo que deu errado e ganhou corpo com documentos e informações obtidas após o ministro Gilmar Mendes bater o pé para que não fosse arquivado. Feita a troca de governo, houve uma inversão de papéis, estando o autor da ação desinteressado em derrubar um governo do qual, agora, fazia parte.
Entre os ministros, foi aceito um alargamento da fase de instrução, de modo que novos depoimentos fossem colhidos. Com esse argumento, adiou-se o julgamento, levando sua conclusão para depois do fim do mandato de dois ministros que tendiam a votar pela cassação da chapa. Feito isso e indicados, pelo presidente e acusado na ação, dois novos ministros, a Corte decidiu que a instrução não poderia ter sido alargada, o que motivou a decisão da maioria dos ministros na linha de absolver a chapa formada por Dilma e Temer.

Em desabafo ao concluir seu voto, antes mesmo de ser decretada a falência moral da máxima Corte, o ministro Herman Benjamin, principal responsável por tentar evitá-la, desabafou: “Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão”.

Minutos depois, ao abrir a divergência que sepultou os ideais para os quais a Justiça Eleitoral foi criada, o ministro Napoleão Nunes, em um surreal uso do espaço para se defender – ele também foi citado em delações premiadas daqui e dali –, invocou “a ira do profeta”. Tal qual um radical do Estado Islâmico, sinalizou, passando a mão diante do pescoço, o que desejava para seus acusadores: a degola. Nada mais simbólico para momento tão fúnebre.

Eram 20h25 quando o TSE perdeu suas funções.

O Tempo

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