domingo, 23 de julho de 2017

Por um pensar mais afetivo


O espetáculo “A Vida Íntima de Babi” dialoga com o público infantojuvenil, o que você fez anteriormente com o “Filosofia Brincante”. Que tipo de olhar você traz para essa montagem?

Acompanhei a construção da peça fazendo o papel de observadora e consultora, tentando contribuir com esse processo mais formal. O espetáculo fala um pouco dos filósofos, então meu papel foi sugerir ideias. Acho que as crianças vão adorar as peças e os adultos também. Ela está linda e tem uma coisa que o mundo adulto perdeu, que é a capacidade de brincar. Esse trabalho propõe isso: que os adultos voltem a brincar, e ali o brinquedo é a reflexão, o pensamento, a linguagem. A maneira como a peça apresenta os filósofos é lúdica, e, a meu ver, isso é favorável do ponto de vista pedagógico, para a formação das pessoas. Mas essa não é uma peça linear, óbvia, ela exige o nosso espanto, o que também é uma questão filosófica.

Essa parceria marca uma maior aproximação sua com o teatro?

Tenho me envolvido com vários projetos e estou trabalhando numa outra peça adulta, que deve surgir em breve. Eu costumo conversar com as pessoas sobre suas peças e seus filmes, mas nunca tinha feito um trabalho mais sistemático de acompanhar uma peça como aconteceu em “A Vida Íntima de Babi”. Essa peça combina muito comigo, com a minha história, porque também fui uma menina que foi descobrindo a filosofia numa biblioteca e, aos poucos, fui gostando dos textos e dos livros. Acho que muitas pessoas vão se identificar com essa personagem. Essa peça tem uma validade no cenário contemporâneo porque pode colocar algumas discussões em cena. Nós vivemos uma crise na educação que é de formação, mas é também uma crise de reflexão e do pensamento filosófico, qualificado, mais cuidadoso e atencioso. Então, essa é uma peça que tem muita sensibilidade e chama as pessoas para terem uma experiência estética. Ela alcança todas as pessoas e cumpre o papel ético de interferir, ajudar as pessoas a construir uma outra sensibilidade e uma outra forma de pensar, se sensibilizando e se afetando. Estou achando que o teatro é um caminho muito interessante para o trabalho com a filosofia. A peça que acabei de escrever, por exemplo, tem muito a ver com o livro “Como Conversar com um Fascista”. Ela parte de uma mesma pesquisa que originou esse livro, mas, ao contrário dele, a montagem será uma obra de ficção. A base da construção das personagens é a mesma e eu espero que essa peça estreie e transite pelo Brasil.

Você ressaltou como “A Vida Íntima de Babi” conecta-se com o presente e traz à tona questões, a exemplo da precarização da educação. Você acha que contemplar esses temas por meio da arte pode ser uma forma de alertar para os processos que, em vez de contribuirem para o desenvolvimento humano, podem colaborar para um embrutecimento? Penso, por exemplo, nas discussões em torno da permanência ou não de disciplinas, como filosofia, no currículo escolar.

A nossa educação vai muito mal, mas eu acho que ela piorou um pouco mais a partir da medida provisória que rege a reforma do ensino médio. A lei que versa sobre o ensino de filosofia representa uma luta de muitos anos de professores dessa área e de outras. Ela é uma conquista, e escapou de ficar de fora porque houve uma manifestação muito pesada, e o atual governo também assim procedeu para não deixar muito claro o contexto ditatorial que estamos vivendo. Todas as iniciativas que tiverem uma relação com as disciplinas de humanidades, reflexivas, que renovem a pesquisa no campo das humanidades, são fundamentais na nossa época. E a filosofia é uma disciplina bem central hoje em dia. As pessoas têm muito desejo e curiosidade pela filosofia. Não apenas aquela que abrange temas mais políticos, mas a filosofia que traz uma politização mais sutil e uma espiritualização. A espiritualização é uma politização, e essa peça “A Vida Íntima de Babi” é cheia de sutilezas e discute, mostra o caminho, da espiritualização filosófica de uma garota. Essa espiritualização é ética, política e estética.

Sua ficção mais recente, “Uma Fuga Perfeita É Sem Volta” (2016) saiu logo depois do título de ensaios “Como Conversar com um Fascista” (2015). Embora representem vertentes distintas, você nota alguma relação entre eles, como, por exemplo, a abordagem em comum da questão do autoritarismo? 

Paralelamente aos meus livros de ensaios, vou sempre escrevendo os romances. Eu tenho publicado, em geral, um ensaio a cada dois anos. Os romances demoram mais porque eles são mais longos. Os processos de construção são diferentes. Comecei a esboçar esse livro (“Uma Fuga Perfeita É Sem Volta”) mais ou menos em 2011, mas ele só foi publicado em 2016. Demorei quatro anos escrevendo. Eu sou uma pessoa só escrevendo nessas duas vertentes, então, certamente, as questões que estão em “Como Conversar com um Fascista” aparecem em “Uma Fuga Perfeita É Sem Volta”. O meu novo livro, “Ridículo Político”, segue essa mesma linha. Ele continua abordando questões que permeiam esses livros anteriores. São questões que precisam ser renovadas, e o que não dá tempo de trabalhar num livro eu, às vezes, levo para um próximo.

São vertentes, portanto, complementares?

A ficção tem um poder realmente de transformar a sensibilidade das pessoas. Quando elas assistem a um filme, lêem um romance, uma poesia, esses conteúdos podem tocá-las profundamente. Os textos filosóficos têm uma abordagem mais comunicacional, mais direta. Quando falo de filosofia, é difícil produzir um texto que seja mais sensibilizador, por mais que eu tente fazer isso com os meus livros. Por exemplo, “Como Conversar com um Fascista”, ou mesmo “Filosofia Brincante”, que é um pouco narrativo, traz imagens e reflete essa vontade da fazer um livro que sensibilize as pessoas. Nesse sentido, a peça “A Vida Íntima de Babi” combina muito com o que eu penso. A produção do espetáculo foi supercoletiva, os atores e todas as pessoas que trabalharam nesse projeto foram atrás dos livros para colocar ali as questões numa construção muito bonita. E, a meu ver, ela tem essa esperança de tocar as pessoas, de transformar a sensibilidade delas. Algo que a gente está precisando nos dias de hoje. A gente precisa sair do nosso ódio, e sair do nosso ódio significa sair da nossa burrice. Só vão ajudar as crianças e os adultos, em termos de produção de sensibilidade, os trabalhos que conseguirem mexer também com nossa inteligência. Nesse sentido, nós temos que nos entregar um pouco mais à experiência da linguagem. Essa peça convida à entrega a esse lugar reflexivo que é, ao mesmo tempo, afetivo, sensível, enfim, um lugar em que nossa imaginação é convocada de maneira criativa. A nossa percepção, a nossa inteligência, o nosso raciocínio, toda uma experiência complexa da linguagem são convocadas nessa peça. E eu espero que os meus modestos textos também consigam o efeito que a peça consegue de maneira quase instantânea.
O Tempo

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