quinta-feira, 20 de julho de 2017

Vida e morte dos direitos

Amadeu Roberto Garrido de Paula
                        
Os direitos, tal como o homem, nascem, vivem e morrem. 
Mais precisamente, poderíamos dizer que esse ciclo faz mais sentido de ser registrado quando se fala em  violação dos direitos. Da anormalidade. 
Isso porque os direitos, enquanto prerrogativas humanas, podem ser simplesmente observados, do começo ao fim. Nada os molesta e seu titular deles usufrui mansa e pacificamente, a exemplo de uma herança imperturbada. 
Entretanto, muitos elementos que integram o acervo de prerrogativas que a ordem jurídica reconhece em favor de determinada pessoa entram em crise. É dizer, são inobservados. A personalidade do titular não mais está perfeita, completa. Há um vácuo em seu interior.
Os direitos, para prevalecerem, não exigem o heroísmo de seus titulares. A humanidade já atravessou fases em que um determinado lugar, tranquilamente povoado, marcado por realizações que satisfaziam seus ocupantes, depois de gerações, eram simplesmente atacados por conquistadores. E lá se ia a luta antiga por um lar. Os manes e os penates tinham de contribuir a uma reconquista, não raro infértil. 
A imensa maioria dos países conhece a Justiça, não enquanto ideal, jamais objeto de consenso, mas enquanto instituição. Coube aos latinos desenvolver esplendidamente os fundamentos básicos do que hoje se denomina ciência do direito. Uma atividade intelectual que parece ter sofrido uma desanimadora paralisia através dos tempos.
Dizemos isso para expressar que o Brasil, dotado de um imenso aparelho judiciário, perdeu para o tempo implacável e inimigo. Na maioria das plantas jurisdicionais, em todos os pontos geográficos de nosso país ocupante de vasto espaço do planeta, o direito não é dado a quem vai suplicá-lo aos juízes, que somente depois de aposentados percebem que jamais foram deuses. E, quando passam, na senectude, a advogar, entendem o que é rogar aos deuses e ser tratado como objetos no torvelinho dos mares... 
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004,  pronunciou a "razoável duração do processo". O constituinte derivado teve consciência de que não poderia falar em "eficiente duração dos processos", muito embora a Constituição Federal, em seu art. 37, aluda ao princípio administrativo da eficiência. Palavras levadas, como tantas, pelos ventos pródigos nesta parte do hemisfério. Assim, ficou-se no razoável, e nem mesmo esse valor é obtido, a julgar pelas experiências forenses. 
O novo Código de Processo Civil falou em julgamento cronológico dos processos. Medida necessária, porém criada e aplicada sem os necessários cuidados. O Código criou as exceções à ordem cronológica, como, por exemplo, as que envolvem direitos de pessoas já tuteladas pelo Estatuto do Idoso. Criou-se nova fila, porque as pessoas envelheceram no curso dos processos. E outras exceções, todas justificáveis, "além de outras", que não devem seguir o ramerrão da cronologia das datas de ingresso dos processos. 
Consequência grave da imperfeição é que muitos processos idosos, não processos de idosos, aqueles, por exemplo, que têm entre partes pessoas jurídicas, sob cujo manto vicejam os interesses-direitos de pessoas idosas, e cujos autos já exibem o desgaste poroso do passar de décadas, caem no mencionado ramerrão. Já deram uma longa volta por todo o território judiciário, não raro com inúmeros desvios na própria interioridade dos Tribunais Superiores e suas fórmulas "regimentais",  e depois de todo esse périplo, começa o "cumprimento da sentença". Além de prever nova plêiade de recursos, nessa fase, que podem provocar um novo e ingrato passeio pelas mesas de juízes e tribunais, tais processos, que já participaram da maratona, atingiram seu fim e retornam exaustos à primeira instância, são tratados como procedimentos judiciais que não guardam nenhuma diferença de um processo cuja petição inicial foi protocolizada ontem. 
Até que um serventuário judicial se digne formalizar uma ordem judicial de execução, por exemplo, fica o velho processo, já às vésperas da morte, no mesmo monte dos novos, sem liminares, sem urgência, até que a morte crave sua misteriosa lança sobre seu titular. Da igualdade linear brotam todas as desigualdades.
Por isso falamos em "processos idosos", tão importantes como os "processos dos idosos". Em atenção  aos juízes, mas especialmente aos funcionários forenses, sem os quais os mandamentos daqueles são ordens vazias. A burocracia dos fóruns, a despeito da informatização dos processos, ainda não faz feliz num mundo em criação. 
Esta é uma modesta mensagem ao Conselho Nacional de Justiça e às Corregedorias dos Tribunais.

Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação

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