sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

As dores do Rio, do Brasil e do mundo

Amadeu Garrido de Paula

O Rio e o Brasil em crise. É correta a intervenção? Dará resultados? E as conjecturas proliferam: repressão ou educação? Como, numa terra arrasada?
Não somos donos da verdade. Sabemos, contudo, que o homem criou a figura da "amizade do saber", que se enunciou como filosofia.

Se é para saber, não podemos subestimar, como se faz, que o mundo e o homem vivem sob imagens da ignorância, segundo afirmou Platão; não podemos ignorar que o homem, dentre todos os animais, é o mais feroz, como disse Schopenhauer; que a filosofia, atrevida a ser a ciência das ciências, gerou picaretagens, como as de Hegel, Ficthe e Schelling, das quais  salvou-se apenas a metodologia da tese, síntese e antítese.

O estado atual do Rio de Janeiro é o acúmulo de visões das mentiras individuais e sociais. O irrealismo leva a delírios, que leva à organização do crime, como "resistência" aos males produzidos por uma sociedade não organizada. Enquanto Capital Federal, o Rio era "glamour" francês; o dinheiro público garantia uma vida razoavelmente pacífica e digna. O deslocamento da Capital do Brasil foi o passo inicial de seu paulatino dessangramento.

A vida irreal paira nas nuvens; nas alturas das favelas. A utopia é demagogia, governo das frustrações. O homem frustrado ou se deprime e morre ou ataca os da mesma espécie, postos em zonas de maior conforto.

A errônea interpretação do mundo conduz à sua destruição; emerge dos "ídolos da tribo", "ídolos da caverna", "ídolos do foro" e "ídolos do teatro", como disse Francis Bacon, no longínquo século XVI. Hoje, muitos ídolos, deturpadores da interpretação, somam-se aos quatro do pensador medieval. Nesse reino completo de mentiras vive o homem, e até mesmo suas maiores instituições, como a imprensa. Pairamos nas nuvens. Há poucos dias vimos repórteres de uma grande emissora sorridentes, emocionados, por terem encontrado o ponto de salvação do Brasil: o foro privilegiado. Talvez auto-engano e engano deliberado, para dar visibilidade à programação daquele momento, despertar o interesse dos coitados que vivem à espera da salvação. Nada diverso do que houve de pior na história das igrejas.

De erro em erro, caminhamos para o despenhadeiro fatal. O maior dos erros cariocas: a intervenção federal na área repressiva. Um suposto combate ao efeito deletério da sociedade errática reiterada dia a dia: o crime. Crime que só pode ser erradicado com a violência do Estado - se dez vezes mais recrudescida - melhor. Assim pensam nossa, é verdade, atemorizada, classe média e alta. Sem saber que moram no reino das mentiras.
Excluir - prender, aleijar, matar - grande parte dos criminosos, é a solução. Para os humanos remanescentes viverem em paz. Não há consequência mais desastrosa e delirante. O mundo não existe somente para os bafejados pela sorte.

O Rio foi o Estado que mais assumiu o "american way of life". Sem dinheiro. Por anos resistiu como capital da cultura, enquanto a sociedade era roída por ratazanas. Não poderia dar outra coisa.

Esse "ethos" carioca deprimente não será resolvido de uma hora para outra, assim como o do Brasil, dizem todos. Mas os primeiros passos fora do caminho das mentiras devem ser dados. O Brasil exige uma "revolução cultural"; nada a ver com a chinesa, mas o nome é adequado. Combate às causas: sociologia, antropologia, psicologia, higienismo, filosofia, política, teologia, nas "comunidades" carentes. E o mais importante: a criação de cursos médios profissionalizantes nas favelas, pois nenhum país vive só de cursos básicos e de Universidades é o combate às causas, a transformação das imagens mentirosas e deturpadas em verdades, parcialmente descobertas.

Os efeitos não podem ser combatidos com repressão. É o pior dos métodos possíveis. Uma das piores instituições criadas foi a reclusão, a cadeia, os cárceres, colégios que aprimoram a criminalidade. E, entre as melhores, as denominadas penas alternativas. A criminologia já comprovou que são muitos mais eficazes que a segregação; mesmo para crimes mais graves. É certo que esses criminosos, quando libertos da ignomínia nos finais de ano, praticam delitos ainda mais graves. Não poderia ser diferente.  Se estivessem em liberdade, devidamente controlada, no exercício de trabalho construtivo, a verdade triunfaria. Ambos são intolerantes: a sociedade "boa" e os criminosos. A guerra está deflagrada. O Estado do Rio sitiado. Falta dinheiro para essas propostas. Mas não falta para a intervenção militar. Se esta se frustrar, seus prosélitos somente terão um segundo passo: napalm.

Enquanto estivermos dominados pelos ídolos deturpadores do pensamento, o Brasil estará condenado. Esse é nosso destino, como o é o das famílias em que todos dizem mentiras e se recusam à verdade do sol. Assim como a morte, ninguém tem coragem de mirá-lo frontalmente. Na caverna, estamos a produzir nosso fim.

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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