domingo, 4 de fevereiro de 2018

O anjo que mora em meu carro

O TEMPO


Laura Medioli

PUBLICADO EM 04/02/18 - 04h30
Outro dia, um homem acabou comigo. Pudera! Fiz a maior barbeiragem do planeta. À frente do meu carro, tapando minha visão e o semáforo, diga-se de passagem, um caminhão do tamanho de um edifício. O tráfego era intenso, e o ritmo, acelerado. E eu lá, correndo atrás daquele “prédio”. Ao olhar distraída para o sinal à esquerda, vi que ele estava amarelo. Por impulso, resolvi frear. Problema: o semáforo era destinado a quem fosse fazer a conversão, e não a quem prosseguisse em linha reta, como era o meu caso e o dos 200 outros carros que vinham atrás. Pronto, já viram o tamanho da encrenca. Escutei uma sequência de “nhrrreee! nhrrrrreee! nhrrrrrreeee!”. Por muito pouco me safei do “BUM”! Eu e os 200 carros. A vergonha foi tamanha que nem quis olhar pelo retrovisor. Acelerei e saí rapidinho.

E não é que o motorista de trás, taxista, injuriado com meu lapso automotivo, fez questão de me seguir por três quarteirões exclusivamente para me detonar? “EEEEEÊ, MULHER!!!! PQP... iuuuuuuuu! #%@#*#@!!!”

Por pouco não bateu no carro da frente, afinal, só tinha olhos (e boca) para mim. Xingou, gesticulou, xingou de novo... E eu na minha. Com um gesto, pedi calma e desculpas. Situações assim acontecem, né? Tentei explicar com um sorrisinho tímido. Que nada! Nada de desculpas.

Devo ter sido a melhor terapia de sua vida, pois descarregou em mim, de uma única vez, todas as suas frustrações, raivas, ódios reprimidos e por aí vai.

A-DO-RO dirigir! E, modéstia à parte, bem (a besteira aí de cima foi uma exceção em dia de distração). Claro que nesses mais de 30 anos de estradas já passei por algumas dificuldades como capotamentos colossais, queda de árvore no capô, sofá pulando na frente do carro em pleno Anel Rodoviário, velho pelado no meio da estrada jogando pedras em meu vidro, fios de alta-tensão despencando no veículo e coisas do tipo. Costumo dizer que meu anjo da guarda deve estar exausto – isso para não falar do desconforto de praticamente “morar” dentro do meu carro. Fazer o quê? Não tenho culpa de essas coisas acontecerem.

Como diz o ditado, quem está na chuva é pra se molhar. E, cá pra nós, guiar em Belo Horizonte é viver em constante tormenta. Como diz o matuto: “Ô lugarzinho ruim de dirigir!”. Primeiro: o povo é lerdo. Muuuito lerdo. O sinal abre e, até o sujeito se dar conta, já fechou de novo. Outra coisa: justamente os mais lerdos ADORAM andar na esquerda, empacando o trânsito, e simplesmente odeiam dar passagem.

Mas, fora os transtornos externos, independentemente da minha vontade, em todos esses anos de estrada nunca causei acidentes ou batidas. Minto. No primeiro ano de casada, dando uma ré, consegui trombar dentro da própria garagem. Detalhe: no carro do meu marido – dois prejuízos de uma vez só. Pelo menos não tive que chamar a perícia.

Há mais de 20 anos, uma eficientíssima caminhonete D-20 (quase um caminhão) me quebra todos os galhos possíveis: remoção de material de jardim, transporte de cachorros e de material de construção, doações para bazares etc. Não fica parada um minuto sequer. Atenção: refiro-me a uma caminhonete balzaquiana, enoooorme, quase um caminhão branco, desbotado e surrado. Nada que chegue perto das atuais e bacanérrimas caminhonetes que andam por aí: caríssimas, potentíssimas e sequestráveis, como as Cherokees e as famosas Land Rovers, de cuja existência só tomei conhecimento depois de um tal “Silvinho” receber uma de presente.

Nada parecido, mas também nada que deixe a desejar. Não sei se devido a meu inconsciente complexo de baixinha, adoro dirigi-la. Estar lá no alto é muito bom! Só tem um porém: enquanto estou no volante, dirigindo aquela coisa enorme e desproporcional a meu tamanho, acabo virando “atração”. Percebo claramente os risos e o espanto, principalmente dos motoristas ao lado. Sempre eles. Os homens.

Outro dia fiz besteira (minha listinha só vai aumentando, né?).

Distraidíssima, com o carro debaixo do lava a jato – aquela coisa cheia de espuma, água e esfregões –, senti calor e resolvi abrir o vidro. Nunca ri tanto com uma desgraça – eu e os dois frentistas que presenciaram a cena. Até hoje, quando vou abastecer, vejo os dois me olhando. E rindo, naturalmente.

Pior foi o que aconteceu com uma amiga. Incomodada com o motorista a sua frente, buzinou. E o sujeito, incomodado com sua buzina, gritou: “Passa por cima!” E ela, seguindo ao pé da letra a sugestão, passou. Não por cima, mas quase. Por pouco não morreu estrangulada, e sua história, transcorrida no caótico trânsito de BH, não foi parar na delegacia. Culpados? Os homens, claro! Sempre os homens.
O Tempo

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