quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

O magnetismo sensual

Amadeu Garrido de Paula

Estética coletiva - um carnavalesco isolado passaria a impressão de uma enfermidade mental - seu conjunto, de escolas e blocos, é que move no sentido de beleza. Daí a importância da harmonia dos movimentos, dos cantos, das cores, das alegorias, para que se registre o sentimento do belo pelas multidões.

Entre nós, porém, isso não é tão simples. Implica numa representação da floresta, não das árvores, o que exige uma atividade cerebral abstrata. Um raciocínio elaborado. Em consequência, nossa inclinação estética se move prioritariamente pelos sentidos - especialmente pela visão e pela audição.

Ocorre que, entre os cinco sentidos, o único que se caracteriza pela apreensão imediata do real - ou da aparência do real - é a visão. A visão se caracteriza pela imediatez. Já a caracterização da audição envolve certa atividade cerebral classificatória - o som é agudo ou grave, é de uma voz poderosa ou frágil de um cantor; do mesmo modo, o olfato, agradável ou desagradável, reclama algo do cérebro, em que a memória atua inevitavelmente; o tato exige do cérebro uma consideração sobre tamanho, forma e sentido da coisa que nos resvala; por fim o paladar nos remonta a vicissitudes da infância ou da genética.

A visão também não dispensa o cérebro - as representações do que se vê são heterogêneas entre nós - porém em menor escala. O que está visto está acabado.

O privilégio da visão leva à luta dos tapa-sexos. A atenção de qualquer um é despertada pelo sexo de mulheres belas - os séculos se encarregaram de aperfeiçoar a amostragem estética do século feminino - com aquela imediatez da visão a preponderar sobre o sentido auditivo - da música que ecoa, de outro atributo da visão, as cores, e muito mais das mensagens, explícitas ou implícitas, dos coletivos carnavalescos. Aquele se torna a referência subordinante das demais.

A visão quer rever o que há de mais primitivo no mundo, o sexo; mas que desperta a sensualidade, principalmente nos corpos que evoluíram em sua plástica ao longo da história, natural ou artificialmente.

A consequência é o eclipse de todas as demais sensações; que esteja em pauta a melhor música de Noel, a visão dos sexos nas mulheres formosas fará com que o jovem poeta não mais seja reverenciado, enquanto o público estiver obnubilado. Daí a guerra, em torno do que se fez mais importante na visão carnavalesca.

Seria demais pedir a um povo - principalmente o nosso, com seus costumes dos mais novos tempos - que subordinasse a elementaridade de seus sentidos e instintos básicos ao processo cerebral e, mais ainda, reflexivo. Se fosse possível, a hoje ornamental avenida 23 de maio, em São Paulo, que, ao longo dos anos, tornou-se margeada por uma generosa vegetação - repleta de seres humanos - uma paisagem deslumbrante -  não ficaria tomada somente no momento carnavalesco.


Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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