quarta-feira, 4 de abril de 2018

O tempo não para o poeta

Talvez não exista uma maneira perfeita de se iniciar um texto sobre a importância e o legado de Cazuza (1958-1990), exatas seis décadas depois de seu nascimento, completadas nesta quarta-feira (4). Há quem retomará o discurso de Caetano Veloso, que, certa vez, na década de 80, o rotulou como “o maior poeta da(quela) geração”. Também haverá aqueles que seguirão as palavras do baixista Rodrigo Santos, ex-Barão Vermelho e amigo de Caju nos tempos de boemia: “o maior poeta urbano que já vi”. Ou da forma como o músico e compositor mineiro Wilson Sideral, que diz que o “exagerado” da música brasileira “veio para quebrar regras e paradigmas da música”.
Optar por começar um registro dessa forma, inclusive, pode soar um tanto quanto rebelde ou mesmo transgressor, algo próximo, quiçá, do estilo de vida e da prematura e influente obra de Cazuza – falecido em 7 de julho, aos 32 anos. Por isso, talvez uma maneira adequada é utilizar-se do mais simples e abrir espaço para a pessoa que mais conhecia o cantor, poeta e compositor carioca: a mãe, Lucinha Araújo.

“Fico muito feliz em ver que ele não foi esquecido. Tenho orgulho do meu filho. Ele teve coragem em admitir ser soropositivo (em 1989) quando essa doença ainda era uma sentença de morte. Ainda hoje ela é, mas naquela época era pior. Ele auxiliou milhões de soropositivos a viverem e a lutarem, como ele. Uma pessoa que cantava ‘Brasil, mostra tua cara’ não podia se esconder num momento daqueles. Foi um fato de extrema coragem. Me orgulho não só por sua obra, mas principalmente por coragem”, destaca Lucinha, fundadora e presidente da Sociedade Viva Cazuza, que dá assistência a crianças com o vírus HIV.

Não à toa, as canções e os poemas de Cazuza atravessaram décadas, ganharam as vozes de Gal Costa, Ney Matogrosso, Cássia Eller, Gilberto Gil e tantos outros. E o número de homenagens se multiplica a cada ano. Nesta quarta-feira, por exemplo, haverá uma no Circo Voador, no Rio de Janeiro, comandada pelos irmãos Wilson Sideral e Rogério Flausino. “Esses dois mineirinhos são umas graças, uns amores, além de muito talentosos. Conheci os dois por meio da Paula Lavigne (ex-mulher de Caetano Veloso). Fiquei completamente ‘siderada’ por eles”, diz Lucinha, em meio a risos e, em seguida, fazendo uma confissão. “Os dois sabem tudo do Cazuza, de cabo a rabo. Eles sabem muito mais do que eu. Conhecem todo o repertório do Cazuza. O Wilson já cantava Cazuza há muito tempo. Fizeram um show no Rock In Rio só cantando as músicas dele. Foi lindo. Eles têm bom gosto”, derrete-se.
Os dois irmãos, aliás, receberam das mãos de Lucinha alguns poemas escritos pelo cantor e compositor e que são considerados inéditos. Um deles será apresentado nesta quarta-feira no Circo Voador. E os tributos não param por aí.
“Ele (Cazuza) deixou uns 30 poemas, sendo que uns dez foram musicados. Mas não farei nenhuma ‘liquidão’ com eles. Caetano está com um, Gil com outro. O Carlinhos Brown musicou outro”, afirmou ela. “Inacreditável como Cazuza continua na boca do povo. O poeta não tem tempo de vida. Noel Rosa morreu com 26 anos e até hoje é cantado e falado. Não há nada mais merecido do que isso. Quem deixa uma obra como Cazuza deixou, jamais será esquecido”, finaliza Lucinha.
O Tempo

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