terça-feira, 8 de novembro de 2016

Negro, artista e injustiçado

O tempo

CARLOS GOMES





PUBLICADO EM 08/11/16 - 03h00

Associado equivocadamente à nobreza e à ditadura militar, o compositor acabou esquecido e morreu na pobreza



Em 1920, duas décadas após a morte de Antonio Carlos Gomes, o compositor italiano Pietro Mascagni, em viagem à capital paulista, achou muito estranha a estátua do compositor brasileiro, erguida na praça Ramos de Azevedo, ao lado do Theatro Municipal de São Paulo.
“Ele percebeu que o busto da estátua não era de Carlos Gomes, mas sim do general Pinheiro Machado. O escultor, que havia morrido, se confundiu, e foi necessário achar a cabeça certa no ateliê dele para fazer o reparo. Mas o mais intrigante é que nenhum brasileiro percebeu isso, porque ele simplesmente não era conhecido”, esclarece Walter Neiva, diretor cênico da montagem “O Guarani”, que volta aos palcos sob leitura da Orquestra Sinfônica de MG, a partir desta quinta (10).
Esse é apenas um retrato de quanto Carlos Gomes, ou Nhô Tonico, como ele assinava suas obras, sucumbiu na cultura brasileira mesmo com toda a aclamação na Europa e um importante reconhecimento das autoridades brasileiras. “Na volta de Carlos Gomes ao Brasil, ele foi convidado pelo Marechal Deodoro da Fonseca a escrever o que seria o Hino Nacional. Mas declinou, ao pensar que poderia trair Pedro II, quem tinha investido nele primeiro. No fim da vida, ele chegou a ser convidado por Lauro Sodré para dirigir o Conservatório de Música do Rio, mas acabou morrendo cheio de dívidas, vivendo na miséria, antes de assumir o cargo”, diz o maestro Silvio Viegas.
“A Voz do Brasil”. Após várias décadas rotulado como monarquista, Gomes ainda seria associado à Era Vargas, ao ter o trecho emblemático da introdução de “O Guarani” usado no programa “A Voz do Brasil” – que há 81 anos se mantém no ar. Mais tarde, o mesmo trecho seria aproveitado pela ditadura militar para vender o nacionalismo.
“Até hoje não se pode tocar Wagner em Israel porque lá eles associam a música de um dos maiores compositores do mundo ao nazismo – porque Wagner foi bastante usado pelo regime de Hitler. Ou seja, temos que quebrar essas barreiras. No caso de Carlos Gomes, ele ficou conhecido como monarquista e depois foi ligado a uma ditadura que nunca apoiou porque simplesmente não a viveu”, completa Viegas.
Racismo. Assim como aconteceu com personalidades como Rui Barbosa, José do Patrocínio e Castro Alves, Gomes também teve a cor de sua pele embranquecida em registro de fotos.
“Muita gente que conhece a obra do Carlos Gomes não se toca que ele era negro – porque vários registros estão maquiados. Além disso, o próprio Carlos Gomes usava um bigode para esconder a grossura dos lábios e não ser caracterizado como mulato. É outro registro escondido da nossa história e que interfere diretamente no protagonismo negro”, completa Walter Neiva.

O Tempo

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