quarta-feira, 15 de junho de 2016

A violência nossa de cada dia

LITERATURA

PUBLICADO EM 15/06/16 - 03h00

Karin Slaughter lança “Flores Partidas”, que dá sequência a sua bem-sucedida trajetória de romances sanguinolentos








SãoPaulo. Faltou sutileza ao destino quando lançou a sorte de Karin Slaughter. Seu sobrenome (“massacre”, em inglês) ganhou ares de prenúncio conforme a escritora norte-americana galgou posições na lista dos mais vendidos do “The New York Times” ao comercializar 30 milhões de romances policiais sanguinolentos. A mesma ferocidade atravessa “Flores Partidas” (ed. HarperCollins Brasil, 464 págs.), seu trabalho mais recente. Desta vez, o suspense e a inquietação estão a serviço do drama familiar de Lydia e Claire, irmãs marcadas pelo desaparecimento da mais velha, Julia, e pela descoberta de um submundo da pornografia que rejubila com a tortura de mulheres: os chamados “snuff movies”.
Karin tergiversa sobre a reputação carniceira que a precede. Aos 45, prefere separar a mulher que passa muito tempo de pijama, faz compras no mercado e come bolinhos demais da autora que tem reuniões com detetives para criar serial killers e se refugia nas montanhas por semanas inteiras para narrar seus brutais assassinatos. “Quando termino de escrever, não é difícil retornar a meu eu normal”, afirma. O ponto da história não é o crime, mas a reação dos personagens a ele e como isso muda suas vidas. “Não quero sentir que escrevo só para chocar as pessoas – é preciso que o choque sirva a um propósito: mostrar a humanidade dos personagens”, diz.

A autora nega pegar pesado em suas representações de violência, sobretudo ante alguns de seus pares do sexo masculino, como Stieg Larsson e Jeffery Deaver. “Algumas pessoas acham chocante eu ser mulher e escrever sobre o assunto com franqueza”, diz. “Quando levamos em conta que mulheres leem mais que homens e são atraídas à literatura policial, o resultado é um público não só interessado nesse assunto, como também em escrever sobre ele”, revela.
Horror. De estupros coletivos a tiroteios em massa, violência é o que não falta no noticiário, e é dele que Karin extrai cenários cujos horrores desafiam a compreensão humana. “Mas eu escrevo para entreter, e não desejo nunca sentir que explorei a tragédia de outra pessoa. Crimes ocorrem todos os dias – no caso de violência sexual, a cada minuto de cada dia –, e quero honrar (as vítimas)”, afirma. Em “Flores Partidas”, a escritora se debruça sobre o mercado dos snuff movies, supostos registros de assassinatos reais que circulariam na “deep web” (parte da internet não detectada por buscadores).
Ainda que grotesca, a temática não amedrontou Karin. “A violência está na internet. As decapitações no YouTube, as gravações de selvageria contra mulheres, os tiroteios – todos estão disponíveis a qualquer um que quiser encontrá-los”, diz. No âmago, “Flores Partidas” e seus equivalentes no romance policial suscitam um debate mais amplo, questionando a fascinação pelo macabro. “A depravação sempre existiu. Basta ler os clássicos, olhar para a história da guerra ou as fotos de Abu Ghraib (prisão iraquiana, palco de torturas das forças armadas norte-americanas)”, argumenta a autora. “Se eu tivesse que teorizar, diria que o desejo de ver essas coisas (extremas) vem da natureza”, conclui.
O Tempo

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