terça-feira, 10 de outubro de 2017

Câncer leva jornalista a ressignificar a existência

“Por que comigo?” Contrariando o senso comum, essa não foi a primeira reação da jornalista belo-horizontina Daniella Zupo, 45, ao ser diagnosticada com um câncer de mama no auge de sua carreira na televisão. “Esta é a pergunta errada, porque não há resposta boa ou que nos alivie seja lá da dor que for. Errada porque vai nos fazer andar em círculos. Errada porque te empurra pra um lugar de onde é difícil sair. Porque é uma pergunta interminável”, diz ela.

Pisciana com ascendente em áries e lua em escorpião, Daniella não ficou revoltada, pois sua postura diante da vida sempre foi a de olhar as coisas sob uma perspectiva espiritualizada.

“Você não pode se revoltar com a doença e achar que não a merece porque, na verdade, ninguém a merece. Entendi que o diagnóstico foi realizado precocemente, tinha um médico bom, uma equipe competente e um psicanalista bacana. Aquela situação de vida me permitiu lutar pela cura, e sou grata porque tive a chance de encontrar um caminho possível. Essa atitude foi a mais aprofundada e conectada com minha própria essência”, relembra.

O câncer foi diagnosticado aos 43 anos. Do final de 2015 ao final de 2016, ela enfrentou seis sessões de quimioterapia, três de radioterapia e duas cirurgias para a retirada parcial das mamas.

Para não enlouquecer, ressignificar sua dor, se salvar do vazio e da tristeza, a jornalista escrevia e, em 2016, lançou a websérie “Amanhã Hoje É Ontem”, que teve grande repercussão. Agora a jornalista lança livro homônimo com reflexões sobre a doença.

O título da série foi uma pergunta que Maria (hoje com 11 anos), filha de Daniella, fez quando tinha 5 anos e tentava entender a diferença entre os tempos. “Hoje sei que sim: amanhã hoje é ontem. Tudo está conectado e tudo vai passar. A vida é uma jornada de autotransformação e revelação, e, por isso, decidi que o câncer seria uma jornada não apenas de dor e sofrimento, de revolta e contestação da realidade, mas de aceitação. Resolvi fazer disso uma revolução na minha vida”, conta Daniella.

Quando recebeu o diagnóstico do câncer, Daniella retomou suas origens. “Durante muitos anos fiz ioga, mas havia abandonado com o correr da vida, o trabalho intenso – eu era workaholic. Isso até adoecer. A partir daí comecei a fazer psicanálise, meditação e acupuntura, e essa abordagem integralista virou estilo de vida. Essa busca espiritual tem a ver com minha concepção de cura, que envolve também o tratamento com a medicina tradicional, à qual sou grata e na qual confiei”, comenta.

Ela conta que teve a sorte de ser acompanhada por um médico muito competente e religioso, devoto do Menino Jesus de Praga e que, logo no início, perguntou se ela tinha fé.

“Entendi que precisava buscar a cura espiritual e emocional. Assim, a meditação foi um caminho natural, fui praticando e percebendo mudanças na minha percepção da realidade. Ela ajudou-me a passar por um tratamento intenso e invasivo e a desenvolver a aceitação”, avalia a jornalista.

Outro momento especial foi quando ela optou por abrir o jogo com a filha. Disse que tinha câncer e que teria que usar medicamentos que produziriam efeitos pesados em seu corpo, inclusive a perda do cabelo. “Ela chorou muito, mas entendeu o processo. Vendo que ela podia acreditar na minha cura, me alimentei dessa esperança e confiança que ela demonstrou. Ela foi um guia”, comenta.

Hoje, curada da doença, a jornalista relembra que sua mãe sempre foi muito espiritualizada. “Quando morei na Baviera, na Alemanha, descobri uma igreja que tinha uma santa negra, que virou devoção. Acho que era Nossa Senhora Aparecida, que migrou para lá para me proteger”, diz ela.


Muitas mudanças ocorreram após confronto com a morte


O grande personagem do livro é a morte, e a jornalista Daniella Zupo teve que aprender a dialogar com ela em outro tom. “As pessoas sempre falam que a única certeza da vida é a morte, porém, quando se tem um diagnóstico de câncer, não há como evitar esse assunto. Durante todo o tratamento eram inevitáveis as reflexões sobre a vida, a condição humana, como tinha vivido até aquele momento, como gostaria de viver dali para a frente e quais seriam minhas prioridades. Queria ser uma pessoa melhor. Essas indagações surgiram do confronto com a morte, e o que ficou dessa conversa é que ela é companheira inseparável da vida e nos acompanha desde nosso nascimento”, analisa.

É muita proximidade. “Eu costuro a morte no pé como a sombra de Peter Pan”, diz Daniella referindo-se ao fato de que todos estamos morrendo. “Essa é uma imagem forte e lúdica, pois nos incita a olhar para a morte de forma diferente daquela que nos foi ensinada. A melhor maneira de estar pronto para encará-la é viver plenamente. Meu grande presente foi entender a força do presente”.

No oitavo capítulo da websérie, a jornalista aborda a transcendência, a questão da autoimagem que vai gerando estranhamentos até que o novo eu emerge dali.

“Pude observar isso quando o artista Carlos Bracher fez meu retrato. Me vi de maneira absolutamente espiritual. Encarei a dor a partir do olhar do artista. Não me dou essa relevância como personagem, mas à busca da transcendência, caminho para se chegar a outro lugar, não importava onde, mas cheguei lá. Entendi que a doença pode ressignificar a vida das pessoas. Muitas pessoas sentiram-se representadas nos capítulos da websérie. Elas não queriam peninha, o drama, o trágico, mas a revolução interior, a dor transformada em possibilidade de transcendência”, finaliza.
O Tempo

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