sábado, 11 de novembro de 2017

Após uma primeira gestação muito tranquila, Luiza Rachel Costa viu a segunda entrar em risco quando apresentou uma infecção urinária. Com 29 anos, ela cumpre com rigor as orientações de seu obstetra. Aos 65, Marcos Peixoto descobriu um linfoma no canal biliar. Também segue à risca o tratamento indicado pelo oncologista. Já Lívia Moreira, entre dores provocadas por uma escoliose acentuada e o estresse em prestar vestibular para um curso tão disputado quanto a medicina, se entregou aos cuidados de fisioterapeutas.
Os três personagens acima citados vivenciaram problemas distintos e sequer se conhecem – mas suas vidas se conectam no fato de terem procurado ajuda, por indicação de seus médicos, para além do campo da medicina tradicional: Luiza, Marcos e Lívia conciliaram o tratamento convencional a outras práticas terapêuticas, como auriculoterapia, reiki, yoga e acupuntura.
A experiência do trio ratifica que sim, a opção por complementar o tratamento com essas técnicas – que já foram tachadas como alternativas – foi essencial para alcançar equilíbrio, bem-estar e, principalmente, para recuperar a saúde.
E, na verdade, eles não estão sozinhos. No Brasil, desde 2006 vigora a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que oferece 19 tipos de tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).
Com isso, entre 2008 e 2016, o número de atendimentos via SUS com essas técnicas subiu 670%, passando de 271 mil para 2,1 milhões. E se apenas 967 casas de saúde ofereciam tais tratamentos em 2008, hoje são pelo menos 5.514. Entre eles, está o Hospital Sofia Feldman, maior maternidade do país e referência na realização de partos normais e na assistência humanizada à gestante. É lá, aliás, que Luiza é assistida. “Eu tinha plano de saúde, mas resolvi fazer um pré-natal e ter minha filha aqui”, salienta ela.
Além do imóvel onde acontecem os partos, a maternidade mantém a Casa da Gestante, de acompanhamento a grávidas em situação de risco, e a Casa do Bebê, para recém-nascidos que necessitam de cuidados especiais. É ali, numa varanda no segundo andar, que funciona o Núcleo de Terapias Integrativas e Complementares (NTIC). Inaugurado em outubro de 2006, por lá passam cerca de cem gestantes por mês, além dos 30 funcionários.
“Somos recebidas por essas mulheres, sempre muito carinhosas... É o lugar para a gente relaxar, se preparar para o parto, trabalhar a ansiedade, a insegurança e outras questões afins”, explica Luiza. A belo-horizontina, vale dizer, vive já há algum tempo em Diamantina e pretendia até ter a filha em casa, mas, por conta da pielonefrite, precisou vir para a capital.
Hoje, já testou todas as terapias oferecidas pela maternidade. “Tem esse escalda pés, a massagem, a auriculoterapia, a cromoterapia, a ventosa, acupuntura, musicoterapia...”, enumera. “Para mim foi – e tem sido – muito bom! A gente fica ansiosa, não sabe como vai ser e tem todos os planos para depois, então, vir aqui ajuda muito. Além disso, há o estímulo natural, não invasivo, do parto”.
Segundo a médica Cláudia Navarro, primeira secretária do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), “essas práticas complementares têm sido cada vez mais aceitas e reconhecidas por seus benefícios à saúde”.
Além das 19 práticas oferecidas pelo SUS (confira quadro na página 4), ela cita outras que trazem resultados e que já vêm sendo pesquisadas. “Existem técnicas, como a meditação mindfulness (que visa a atenção ou consciência plena, trabalhando por um estado mental que se caracteriza pela autorregulação da atenção para a experiência presente), que não são consideradas especialidades da medicina, mas já há uma vasta pesquisa científica indicando que podem, sim, auxiliar no tratamento de algumas patologias”, afirma. Cláudia destaca também a já reconhecida homeopatia. “Diferentemente da medicina tradicional, alopática, trata as doenças de maneira diferenciada – mas a prática já é reconhecida como especialidade médica e adotada pelo SUS”, frisa.
Estilo de vida
Professor universitário, Marcos Peixoto sempre optou por um modo de vida equilibrado. Encontrou nas práticas orientais refúgio – nas suas palavras, um “acalanto” e “contraponto” à rotina dos centros urbanos. Praticante de yoga de longa data, ano passado recebeu um diagnóstico que assustaria muita gente. “Fui acometido por um linfoma no canal biliar, um câncer”, lembra.
Por já se dedicar a essas práticas, o oncologista que o assistia sugeriu que, além do yoga, Peixoto integrasse a quimioterapia à acupuntura. “Veja, a sugestão partiu dele”, frisa. Não demorou para que ele a entendesse. “Quando se faz quimioterapia, pode-se perder a sensibilidade na ponta dos dedos de pés e mãos. A acupuntura ajuda a recuperá-la. O fígado também fica sobrecarregado pelo excesso de medicamentos, com o estímulo da técnica, passa a funcionar melhor. Tudo isso me ajudou muito”, certifica.
Cláudia Navarro atesta. “A acupuntura tem ação analgésica, antidepressiva e anti-inflamatória, assim como outras técnicas, como as ventosas, a moxa… E isso pode estimular o funcionamento de alguns órgãos. O fígado, por exemplo”, afirma.
Mas ela alerta: é fundamental que o paciente não abandone o tratamento convencional. “Não é trocar um procedimento por outro. E o correto é informar sempre ao médico sobre as práticas aliadas ao tratamento”, avisa.
Na verdade, a convicção de Marcos de que a adoção das práticas favoreceu o tratamento é compartilhada por 67% dos brasileiros. Além disso, 26% creem que a estimulação do próprio corpo aumenta as chances de cura. É o que indica um estudo da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.
Hoje recuperado, ele segue fazendo acompanhamento com o oncologista e mantém a acupuntura, fitoterapia e yoga como hábitos rotineiros. “Também voltei às minhas atividades ‘normais’, como a academia, o futebol no fim de semana...”, comenta, notadamente feliz.
Mente e corpo
A acupuntura, Lívia Moreira começou há um ano – e parar não está definitivamente nos seus planos. De início, ela foi levada pela dor. “A escoliose acentuada me fez tentar vários procedimentos para reduzir as dores”, diz, citando a fisioterapia e o pilates. “Fui como uma última tentativa”.
Na primeira sessão, confessa ter ficado apreensiva com a visão das agulhas. Mas já nesta “estreia”, admite que a dor diminuiu. “E bastante!”. Entendendo que fortalecer a musculatura das costas é essencial para tratar a escoliose, ela hoje completa o tratamento com as aulas de pilates.
Ocorre que esse não era o único problema que atormentava a moça. Às vésperas de prestar o Enem para o concorrido curso de medicina, ela reconhece: “Estava muito estressada e ansiosa, o que aumentava as dores”.
Para amenizar o desconforto, Lívia decidiu somar a acupuntura a outra prática: o reiki. Com auxílio destes profissionais, viu que essas terapias resultavam em “uma tranquilidade muito sensível”. Hoje estudante de medicina pela Universidade José do Rosário Vellano, a Unifenas, ela precisou reduzir o número de consultas – afinal, a rotina se mostrou mais atribulada. Mesmo assim, faz questão de continuar com pelo menos uma das práticas. “O reiki é mais espiritual, senti que me adaptei melhor à acupuntura. Faço duas vezes por semana. E são nesses dias que me sinto outra pessoa, com um humor bem melhor!”.
Práticas reconhecidas
Alternativo Nos anos de 1960 e 1970, eram chamadas de “alternativas” práticas como a acupuntura, o reiki e a homeopatia, entre outras. Sem o reconhecimento da medicina, essas terapias orientais não se integravam aos tratamentos de saúde, sendo adotadas por um universo estreito de pessoas.
Complementar À medida que estes tratamentos se mostravam eficientes, passaram a ser adotados em complemento ao que era oferecido pela medicina tradicional do Ocidente. A partir de então, essas terapias passaram a ser reconhecidas como “complementares”.
Integrativa Consolidadas, a medicina alopática passou a integrar vários recursos dessas práticas no tratamento de saúde dos pacientes. Por essa razão, recentemente, tais técnicas passaram a ser reconhecidas como “integrativas” aos tratamentos convencionais.
Com Thuany Motta*
Terapias têm que vencer tabus
Um pensamento mais holístico, integrando corpo e mente, e que entenda a saúde não apenas como cura, mas também como prevenção. É assim que a médica especialista em acupuntura Lilian Cristina Zazá, 38, define as terapias milenares que agora são associadas à medicina convencional.
Em dez anos como acupunturista, Lilian lembra especialmente episódios em que testemunhou uma melhora sensível de seus pacientes. “Os casos que marcam mais são aqueles que podemos ver. Tive aqui, no consultório, pessoas com paralisia facial que começavam a voltar a ter movimentos”, recorda.
Foi justamente por uma situação extrema que a escrivã da Polícia Civil Maria Aparecida Canuto, 56, procurou a profissional. “Em 2015, tive vários problemas de coluna... Tenho hiperlordose, além de desgastes em algumas vértebras. Com isso, tinha ataques de dores”, recorda. “Comecei a fazer pilates e a fisioterapeuta sugeriu acupuntura para aliviar essas dores”. Mesmo com “horror à agulha”, ela começou o tratamento. “A primeira vez foi tensa, justamente por esse receio”. Mas, depois, “as crises se extirparam, as dores diminuíram e até a ansiedade passou a ser mais controlada”. “A gente não consegue imaginar a quantidade de ligações que tem o nosso corpo”, analisa Maria Aparecida.
Desafios
Mesmo diante dos bons resultados que encontra no seu dia a dia, Lilian não esconde que ainda há tabus a serem vencidos. “Às vezes, por não estudarem essas terapias na faculdade, alguns colegas médicos têm certa resistência, como é comum a tudo que é diferente...”, diz ela, lembrando que, no caso da acupuntura, “é um tratamento que só teve sua eficácia reconhecida em 1979 (pela Organização Mundial de Saúde) e só em 1997 foi reconhecido como especialidade (pelo National Institutes of Health, dos EUA), portanto, ainda é muito recente”.
Para tratar seus pacientes, Lilian reforça que precisa de uma análise holística. “Para o nosso diagnóstico e tratamento, precisamos saber do todo. Desde como é o sono, atividades fisiológicas, estresse...”, comenta. Ela situa que o combate ao problema, muitas vezes, é integrado a outras práticas. “No caso de uma infecção bacteriana, por exemplo, a acupuntura age para aliviar a dor, enquanto a pessoa também se trata com antibiótico”. 
Lilian menciona que a premissa de que a técnica é “totalmente natural” pode prejudicar no tratamento do paciente. “Quando receitamos algum medicamento, muita gente questiona, não quer tomar...”, pondera. Outro problema são os exageros. “Há quem chegue pensando que vai tratar um câncer, que vai emagrecer 10 kg em uma semana”, comenta. 
Para ela, vencer estes clichês é, hoje, um grande desafio. “É necessário entender: não estamos falando de mágica, mas sim de ciência”.
A solução pode estar no próprio corpo
Cristiane de Souza Silva estava ansiosa e irritada. Em sua terceira gravidez, é a primeira de risco. Por isso, foi enviada de sua cidade natal, Cristais, no Sul de Minas, para a capital do Estado. Há 13 dias na Casa da Gestante do Hospital Sofia Feldman, ela só pensava em voltar para casa. “Eu tenho criança pequena”, justifica-se.
Diante desse estresse, que poderia prejudicar a gestação, já que o bebê corre o risco de nascer prematuro, Cristina foi orientada a frequentar, duas vezes por semana, o Núcleo de Terapias Integrativas e Complementares da maternidade. “Fiz a auriculoterapia e isso me ajudou bastante”, atesta. Essa técnica aplica sementes em áreas estratégicas, entendendo a orelha como um microssistema conectado com o corpo inteiro.
Sem a ajuda da terapia, dificilmente a gestante conseguiria esperar por mais duas semanas até que o bebê esteja em melhores condições e o parto possa acontecer, mesmo adiantado. Afinal, ela ainda está na 32ª semana e precisa esperar pelo menos até a 34ª. “Eu nunca tinha feito nada assim, para mim foi muito surpreendente. Já saí de lá mais calma”, garante ela.
Lilia Coelho Lopes, enfermeira obstetra e coordenadora do núcleo, comenta que, embora muitas pacientes não conheçam os procedimentos, chegam prontas para recebê-lo. “Quando chegam aqui, não há estranhamento, elas já têm um campo interno preparado... É como a abelha que se atrai pela flor”, diz. 
Para ela, o mais importante é justamente a integração das gestantes com os cuidados da maternidade. “Ela se sente acolhida e, quando chega ao hospital para o parto, percebe que é uma continuação daqui. Daí tudo acontece de forma mais tranquila e natural”.
Funcionamento
A médica e acupunturista Lilian Zazá explica que estas modalidades terapêuticas funcionam “através da liberação de substâncias químicas contidas no nosso organismo e que podem ter efeitos analgésicos, anti-inflamatórios ou antidepressivos”. É assim que age, além da acupuntura, técnicas como a moxaterapia e a ventosaterapia.

“Estas práticas são mais comuns no tratamento de situações de dor e doenças como obesidade, ansiedade, depressão e do sistema respiratório”, cita ela, lembrando que estes são apenas alguns casos. Agora, avançam estudos do uso da acupuntura também no auxílio de pessoas que querem ter filhos, mas encontram dificuldades. “Pesquisas recentes indicam a possibilidade de estimular a ovulação e a produção de esperma”, informa.

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