domingo, 5 de novembro de 2017

Iniciativas informais levam livros para calçadas e muros

Elas têm surgido com cada vez mais frequência numa calçada, beco ou muro. São as bibliotecas de rua, que têm um funcionamento diferente das convencionais por serem mais livres e estarem à disposição das comunidades em torno, garantem seus criadores. Elas podem ser encontradas em diversos bairros de Belo Horizonte e Contagem. Portanto, fique atento, pois é bem possível que exista alguma num local perto de você.

Em comum, elas nascem a partir do interesse em compartilhar livros, estimular a leitura e conectar pessoas. Uma das mais antigas da capital é a concebida por Robert Cecílio, no bairro São Lucas, que integra o aglomerado da Serra. Ele construiu sua “becolioteca” há três anos, e ali dispõe, principalmente, obras de literatura infantil e infantojuvenil. “O foco dela sempre foi a literatura infantil, porque a intenção é levar arte para crianças que cotidianamente são expostas a vários tipos de violência”, afirma Cecílio.

Ele, que é professor e marceneiro, montou uma estrutura em madeira num beco, onde cada um pode pegar a obra que tiver interesse sem precisar fazer algum cadastro e depois devolver ao fim da leitura. Embora o foco seja o público infantil, há também títulos para adultos.

“O fato de essa biblioteca estar no beco e não na rua asfaltada é o diferencial. Eu moro num lugar que está na divisa do aglomerado da Serra. As pessoas que vivem na parte do asfalto têm acesso ao teatro, ao cinema e à literatura. Mas quem está do outro lado, não. Por isso, a importância de esse projeto estar no beco”, frisa Cecílio.

O trabalho realizado por ele, que segue o método da pedagogia Waldorf, baseada nas reflexões do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), tem servido de modelo para propostas semelhantes. Uma delas é a “caixoteca”, montada com caixotes pelo também professor Felipe Costa Ferreira no muro de sua própria residência, há sete meses, no bairro Milanês, em Contagem. De acordo com ele, o objetivo é facilitar o acesso aos livros onde existe uma carência de iniciativas culturais.

“O Milanês é um bairro de periferia, mais afastado dos movimentos e equipamentos culturais. Para quem mora aqui, a biblioteca pública, por exemplo, é longe. Então, a ‘caixoteca’ é uma alternativa a essa dificuldade. Lá não exigimos comprovante de endereço para fazer um cadastro. Então, isso acaba aproximando pessoas que talvez não conseguiriam circular com tranquilidade em outras bibliotecas”, afirma Ferreira.

A “caixoteca”, por sua vez, incentivou o enfermeiro Edmundo Gustavo Cipriano de Araújo a criar sua “imaginoteca”, que está em atividade desde agosto no bairro Glória, região Noroeste de BH. O formato e o funcionamento dessa seguem as mesmas características da anterior, sendo erguida também no muro da casa de Araújo. Ele ressalta a localização estratégica da biblioteca, que, segundo ele, encontra-se entre duas escolas. “Constantemente, passam ali crianças, jovens e os pais que vão levá-los ou buscá-los nas escolas. Então, o lugar é muito favorável para dispormos os livros. O movimento do público também tem nos incentivado a oferecer outras atividades, como aulas de reforço, de violão e de dança, quase como se fosse um centro cultural, o que, claro, tem suas limitações. O mais importante é espalhar essa semente, tocar essa ideia, para quem sabe conseguirmos chegar em outros espaços”, diz Araújo.

Loja. Há cerca de seis meses, Dulcemara da Costa Baracho, que é sócia-proprietária de uma loja de utilidades para casa localizada na avenida Prudente de Morais, no bairro Cidade Jardim, região Centro-Sul da capital, resolveu também abrigar uma biblioteca em frente ao estabelecimento. Ela conta que a ideia partiu de um dos clientes da casa, o professor e escritor Paulo Roberto de Souza Lima, e começou com apenas dez títulos.

Hoje, a biblioteca, erguida na calçada com apenas algumas mesas e cadeiras, possui quase 750 livros doados pelos leitores e moradores da região. “A gente apenas anota o nome, o endereço, algum contato, e damos um prazo de 15 dias para ela ficar com o livro. Se quiser renovar, é só ligar ou vir pessoalmente na loja que fazemos isso rapidinho, sem nenhum custo”, explica Dulcemara, que precisou pagar alvará para ter autorização da prefeitura e continuar com esse trabalho.

“A gente não tem nenhum tipo de interesse financeiro, isso dá até um pouquinho de trabalho, mas a gente nota uma troca de energia positiva, muito gostosa. Não queremos parar, queremos continuar. Diariamente, as pessoas param, olham, perguntam, observam, existe uma troca fantástica. Vem muito estudante aqui, além dos moradores do bairro e da comunidade Santa Lúcia. São pessoas que vêm pelos livros mesmo”, pontua.

Lima retorna sempre e, num domingo de agosto, quando a loja geralmente não abre, ele, inclusive, improvisou um sarau a pedido de Dulcemara. Ele conta que, aos poucos, foi formando-se um grupo de pessoas interessado em ouvir poemas de Carlos Drummond a Hilda Hilst. “Foi algo espontâneo e curioso. Acho que as pessoas passam aqui e acham isso uma novidade interessante. Nessa avenida só tem comércio, né? E agora tem também a biblioteca da Du”, ri, em seguida.


SAIBA MAIS


Becolioteca: Bairro São Lucas, aglomerado da Serra, BH

Caixoteca: Rua Diana, 103, bairro Milanês, Contagem

Imaginoteca: Rua Maria da Silveira, 363, bairro Glória, BH

Biblioteca da Du: Av. Prudente De Morais, 648, Cidade Jardim, BH
O Tempo

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