quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O estrago que Freud fez à arte e aos poetas

Amadeu Garrido de Paula

Toda arte seria uma expressão do recôndito pessoal. O poeta só exprime seus sentimentos pessoais. Não existe poeta que não seja um narcisista, neurótico, psicótico etc. Todos se enquadram num dos símbolos mórbidos que o grande Deus de Viena criou, do modo mais arbitrário possível, de seu apartamento ou de seu consultório. Ser poeta é ser emotivo, doente e expressar só o que vem de sua alma, não o que vem do inconsciente coletivo e os meandros objetivos do mundo. Esse foi o grande pai da psicologia.

Quanta diferença de Jorge Luis Borges, segundo o qual o verso admirável é aquele que narra um fato do mundo físico e procura dele extrair significados não aparentes.

Como sabem, a poesia no mundo antigo era um jornalismo mais interessante, que dava a todos os fatos, seguidos de seus significados, ainda que mágicos, interferidos por Deuses, narrava o que hoje está em modo, a resiliência, o poder de renascer das cinzas, Fênix nas circunstâncias mais adversas, na terra ou no mar.  O homem se completava na natureza e se agitava como as árvores. Esse é o mundo. Assim como as árvores têm suas raízes, os homens também as têm, é o inconsciente, e uma minoria é doentia, enquadrável nas arbitrariedades do "incontestável mestre de Viena". As raízes humanas, em geral, ao contrário, são sadias.  Generalizar a morbidez é matar a humanidade. Muitos se envergonharam de ser poetas, de ter sentimentos exacerbados, fundados, não raro, em frustrações sexuais e outras, opressão da mãe ou do pai na infância etc. Édipo, Electra e outros demônios. Tudo gerado arbitrariamente pelas categorias incontestáveis do deus Freud.

Em verdade, o poeta é o intérprete dos sentimentos coletivos inexpressos em palavras, que ele procura encontrar em suas escavações da linguagem. Felizmente, tivemos Jung, para romper com Freud e demonstrar a imprestabilidade dessa doutrina psicológica reducionista. Citemos apenas ligeira passagem do médico e filósofo suíço (que rejeitava a qualificação de filósofo):
“A técnica de interpretação freudiana, enquanto permanecer sob a influências de suas interpretações unilaterais e, por isso, falsas, é de uma arbitrariedade óbvia.

Para fazer justiça à obra de arte, a psicologia analítica deverá despojar-se totalmente do preconceito médico, pois a obra de arte não é uma doença e requer, pois, orientação totalmente diversa da médica. O médico tem que pesquisar as causas de uma doença para extirpar, se possível, o mal pela raiz; o psicólogo, porém, deve adotar uma posição oposta em relação à obra de arte. Com relação à obra de arte é supérfluo investigar o condicionamento prévio a que estão sujeitas todas as pessoas em geral. É preciso perguntar pelo sentido da obra. O condicionamento prévio só interessa na medida em que melhor facilitar a compreensão do sentido. A causalidade pessoal tem tanto ou tão pouco a ver com a obra de arte, quanto o solo tem a ver com a planta que dele brota. Certamente poderemos conhecer certas peculiaridades da planta, quando conhecermos as condições de seu habitat. Para o botânico  é até um dado importante. Mas ninguém diria que isto basta para conhecermos toda a essência da planta. A insistência no pessoal, seguida de pergunta sobre a causalidade pessoal, é totalmente inadequada em relação à obra de arte, já que ela não é um ser humano, mas algo supra pessoal. É uma coisa e não uma personalidade e, por isso, não pode ser julgada por um critério pessoal. A verdadeira obra de arte tem inclusive um sentido especial no fato de poder se libertar das estreitezas e dificuldades insuperáveis de tudo o que seja pessoal, elevando-se para além do efêmero do apenas pessoal". ("O Espírito na Arte e na Ciência", ob. completa, vol. 15, págs. 61/62).

Por isso, minhas amigas poetisas e meus amigos poetas, todos saudáveis, espécie em extinção, fujam de Freud. Nosso coleta Walt Withman  já escancarou as erronias de sua tese.

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

Esse texto está livre para publicação.

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