sábado, 25 de novembro de 2017

Sonhos vívidos

Amadeu Garrido de Paula

Os ventos que perpassavam as frestas de um telhado desforrado deram-me as primeiras intuições de direito público.

Deixaram no registro de meu peito a averbação de uma tuberculose que se insinuava e cujo carimbo restou na memória da BCG.
                                                  
Deveria haver um prefeito para nos blindar daquelas rajadas noturnas. Conhecer a justiça somente sobre os sopros da injustiça.
                                                   
Prefeito é a primeira autoridade pública a que a mente de uma criança recorre. Talvez pela semelhança semissonâmbula com perfeito, nas dobras de uma noite que vergasta e que cobertas tênues não a protegem. Mensagens dos céus às terras, o livro cotidiano dos desassegos; e a prova da coragem das raças.

Muitos anos depois pode vir a noção das competências - ou incompetências -, de governadores, presidentes, deputados. Casta em sua maioria insensível, salvo a suas próprias sensações. A incontrastabilidade do poder, não raro, nos definha, quando conseguimos interpretá-lo.
                                                  
Começava a ter ideia de política, mas estava representada pelos cartazes multicoloridos pregados nos primeiros postes. Pouco antes, só havia lamparinas. Apenas bruxuleavam, mas não poluíam os olhos. Os cartazes mais belos levavam à vitória. Tive mais de uma vez essa percepção.

A estética é força dissimulada e ladina. Um breve poema comove mais que uma longa prosa, sua vaziedade atinge em cheio os corações. Os antigos bem o sabiam e, hoje, os versos declinam, são necessários muitos adjetivos e siglas, que o povão não compreende, para sair-se bem na arte de manipular os compatriotas.
                                                   
O atavismo do belo aparente parece conservar-se em preferências eleitorais midiáticas. Afinal, mídia eficiente não pode ser feia.
                                                    
A feiura só nos vem à noite, ao intervalar nossas lúdicas viagens pelo reino do onirismo com a memória inopinada das cruas intransigências da vigília. A paz é fugaz, mas a vontade incomensurável do homem, inclusive quando faz a guerra.
                                                   
Nos momentos humanos, divagações nos transportam a um abstrato de perfumes vespertinos de jardins.
                                                   
Acordamos com a memória das tempestades marítimas, que atemorizavam nossos ancestrais; hoje sob a forma de dinheiro, competição, lealdades e deslealdades, a planície, ora verde, ora minada, de nosso trânsito por estas paragens.
Na paz onírica imaginamos voar pela eternidade, mas logo vem o carcereiro. E, novamente, percebemos os ventos antigos, que nos trazem dos céus amáveis beijos, e os corruptos.

Amadeu Garrido de Paulaé Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.


Esse texto está livre para publicação.

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