Em decisão liminar, durante o plantão judiciário, na última sexta-feira (10), a desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini determinou que hospitais, clínicas e casas de saúde de Belo Horizonte, Caeté, Vespasiano e Sabará deverão entregar EPIs (equipamentos de proteção individual) aos trabalhadores para proteção contra o novo coronavírus. A liminar foi concedida em favor do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Belo Horizonte, Sindeess, para determinar que o alcance da norma coletiva celebrada entre as partes, e da pauta reivindicatória apresentada, para a nova convenção coletiva, estende-se a todas as ferramentas e equipamentos necessários à atuação dos trabalhadores representados pelo sindicato. Os EPIs devem ser entregues em até 72 horas.
Ficou garantido também, em atendimento ao pedido apresentado pelo sindicato dos trabalhadores, que, caso os empregadores não forneçam todos os meios e condições de trabalho elencados, no prazo estabelecido em decisão, os trabalhadores representados ficarão autorizados a interromper o trabalho sem prejuízo de seus salários e demais benefícios. Caso sejam contaminados, deverão receber os devidos cuidados por parte de seu empregador, como também alojamento para que possam permanecer (como hotéis, por exemplo), tudo isso a encargo dos empregadores, evitando, assim, a possível contaminação de outras pessoas, inclusive da família desses trabalhadores.
Direito constitucional à redução dos riscos inerentes ao trabalho - Na decisão, a desembargadora destacou que os números mundiais relativos à pandemia são espantosos se pensarmos que estamos no século XXI com os mais avançados meios de comunicação, inteligência artificial e tecnologia. Apesar disso, nenhuma vacina foi descoberta e testada de forma eficaz e perene, e ainda não existem medicamentos contra os efeitos trazidos pelo coronavírus à saúde humana.
“Uma interpretação consentânea do Texto Constitucional de 1988 explicita que o trabalho é essencial na vida do homem e como tal deve ser protegido. No mesmo esteio segue a principiologia do Direito do Trabalho que apresenta elementos que orientam a tomada de decisões frente a esta crise,” afirmou.
Ela salientou, ainda, que a tutela dos direitos que concorram para preservar a saúde do homem em qualquer ambiente de trabalho é imposição da Constituição Federal e da norma celetista. O artigo 196 da Constituição da República expressamente determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que deve adotar políticas sociais e econômicas que visem a redução dos riscos de doenças e outros agravos. Já o artigo 157 da CLT impõe às empresas o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, lembrou a julgadora.
“Desta forma, é possível concluir que, se a atividade econômica adotar entendimento contrário daquele que preconiza a imposição constitucional, poder-se-ia adotar até mesmo a sua interdição face ao vilipêndio à saúde e à vida dos trabalhadores”.
Orientações da Anvisa – Para a julgadora, tendo em vista a grave pandemia de conhecimento público e notório (artigos 357 e 374, I, do CPC), não se pode permitir outra interpretação à norma coletiva senão aquela por meio da qual se entende que dentre as ferramentas e equipamentos necessários ao desenvolvimento do mister dos trabalhadores representados pelo autor se encontram incluídos todos os equipamentos de proteção individual elencados na Nota Técnica n 04/2020 da Anvisa, em consonância com as determinações da OMS, posto que são indispensáveis para resguardar a saúde destes trabalhadores.
A referida Nota Técnica dispõe sobre as orientações para os serviços de saúde e sobre as medidas que devem ser adotadas pelos profissionais para a prevenção e controle durante a assistência aos casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.
Segundo a magistrada, o que se evidencia, portanto, é que os equipamentos são, neste momento, indispensáveis à garantia da integridade física dos trabalhadores representados pelo sindicato-autor, o que implica necessariamente reconhecer que são igualmente necessários ao desempenho da função no serviço, nos termos da norma coletiva e da pauta de reivindicação apresentada pelo sindicato. Portanto, aos instrumentos normativos, fontes que são do Direito Coletivo do Trabalho, aplica-se a regra que impõe contínuo respeito aos dispositivos nucleares do ordenamento jurídico e aos interesses da ordem pública constitucional.
Aquisição de equipamentos - Entretanto, a desembargadora reconhece a dificuldade que vem sendo enfrentada para a aquisição de alguns equipamentos neste momento no Brasil, o que evidencia que uma onda de medidas judiciais e administrativas determinando o fornecimento de proteção sem um prazo adequado e, até mesmo estabelecido entre as partes, face a situação particular de cada empresa, sindicato ou grupo econômico, pode, na contramão das diretrizes do gerenciamento da crise, comprometer o regular funcionamento dos estabelecimentos dos serviços de saúde, o que também deve ser avaliado e sopesado no cenário geral de atendimento à população brasileira.
Porém, a magistrada entende que a dificuldade encontrada no cenário atual para aquisição dos EPI's utilizados no caso não deve servir de justificativa para ignorar ou minimizar a proteção à saúde e à vida dos trabalhadores que estão se colocando, em momento crucial, à serviço da sociedade. “Se há um setor hoje que deve ser particularmente cuidado, olhado e sistematicamente apoiado é o setor de saúde no Brasil e claro, seus trabalhadores”, ponderou. Por isso, com o objetivo de melhor garantir a entrega dos EPIs adequados no prazo, a desembargadora deferiu o pedido do sindicato-autor, determinando que, caso os estabelecimentos não forneçam todos os meios e condições de trabalho deferidos, no prazo estabelecido em decisão, ficam os trabalhadores representados pelo sindicato autorizados a interromper o trabalho, sem prejuízo de seus salários e demais benefícios e sem prejuízo de receberem, caso sejam contaminados, os devidos cuidados por parte de seu empregador.
Espaço da conciliação e da mediação - A desembargadora lembrou que parte do conflito pode ser resolvida pelo diálogo e consenso entre as partes, naquela parcela onde não se exerceu a jurisdição declaratória, no entanto, pela circunstância de a ação coletiva ter sido ajuizada no plantão judiciário, não foi possível enviar o processo para o Cejusc do TRT-MG. Mas a magistrada ressalta na decisão o seguinte: “Vislumbro a possibilidade de uma mesa de negociação onde as partes, e eventuais terceiros, caso assim entenda o Juízo natural, cientes de suas responsabilidades frente à pandemia do COVID-19, o cuidado com a saúde da pessoa humana do trabalhador, atuam de forma ética, com boa-fé e proatividade, buscando resolver a parcela do conflito que não foi declarada de forma adjudicada e que aqui se decide que deve ser objeto de tentativa de conciliação, qual seja: o prazo para a entrega dos EPIs, levando em conta a sabida dificuldade relativa à compra destes equipamentos, considerando sua escassez”.
A desembargadora ponderou que o momento atual pede bom senso, cautela, ética, solidariedade, empatia e muito diálogo social e coletivo, soluções coletivas sustentáveis e sustentadas, a servir de exemplo, inclusive, para outras categorias, em outros Estados da Federação e a outros órgãos do Poder Judiciário.
Processo
- PJe: 0010614-60.2020.5.03.0000 (DC)
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Imprensa/Notícias Jurídicas
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
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