quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Um maestro aos olhos de outro


Nem 23 cirurgias nas mãos fizeram com que o maestro João Carlos Martins, 77, desistisse da carreira de músico. Com uma vida marcada por tragédias, o artista, hoje com 77 anos, teve de se afastar de sua paixão, o piano, ao menos seis vezes. No filme “João, o Maestro”, que estreia nesta quinta-feira (17), detalhes de sua vida são revelados. E coube a Mauro Lima, roteirista e diretor do longa, levar a trajetória do maestro para o cinema. Além de diversos concertos, o filme mostra como foi a infância de Martins e sua ascensão, em Nova York, após ser ovacionado pela crítica.

Magazine convidou o regente-titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Silvio Viegas, para uma sessão em primeira mão do longa. Com formação inicial pelo piano (assim como Martins), o mineiro Viegas mostrou-se surpreso e acompanhou com as mãos e com a cabeça algumas cenas. Mas, no geral, gostou do que viu.

O João Carlos Martins construído no cinema é, em boa parte, um herói obstinado, alguém que lida com as adversidades desde a doença na infância, passando por um isolamento das demais crianças e chegando às lesões que sofreu. Mas, claro, supera-se constantemente, enquanto busca reconhecimento, sobretudo na execução de Bach. Por outro lado, também tem atitudes individualistas e dúvidas. A história de Martins é pública e já virou até mesmo tema da escola de samba Vai-Vai, em 2011.

O trabalho de sincronismo entre áudio e execução do piano que se vê em cena – feito sob auxílio e supervisão do próprio João Carlos Martins – é ponto que impressionou positivamente Viegas. “A escolha das peças e a qualidade interpretativa (a trilha sonora é original, com gravações de peças executadas por Martins) são evidentes”, diz o mineiro.

A postura dos três atores que interpretam o protagonista em diferentes fases da vida é outro destaque. Desde um pequeno Davi Campolongo, 11, responsável por mostrar a criança disciplinada, passando por Rodrigo Pandolfo, 33, na pele do jovem pianista boêmio, até um Alexandre Nero, 47, centralizador e obstinado: os três claramente dedicaram-se a buscar semelhanças físicas com o maestro, como a interpretação de peças, ao piano, de maneira curvada.

“Os atores passam veracidade. É um trabalho muito bonito”, opina Viegas. A ressalva, porém, fica para Nero, o único que precisa lidar com a regência em cena. “O gestual ficou a dever, mas ele compensa com a emoção da atuação”, pontua o maestro mineiro.

Outro personagem destacado na obra de ficção, por Viegas, é o de professor, cuja interpretação ficou a cargo de Caco Ciocler. “Realmente foi interessante mostrar como esse professor abriu as portas para o músico, porque esta figura é de extrema relevância em qualquer formação”, comenta ele, ressaltando que, em alguns momentos, o aprendizado foi claramente deslocado temporalmente, por exemplo, quando o mestre passa dicas de iniciantes a um Martins quase profissional, prestes a estrear.

Outro ponto observado por Viegas diz respeito ao empenho e dedicação. O maestro sentiu falta de um destaque maior para tais pontos, já que isso faz parte do diário de qualquer músico clássico. “Eu mesmo estudo o tempo todo, em cada intervalo. Em alguns momentos, até começam, no filme, a dar essa dimensão, mas depois isso se perde”, observa.

O que fica evidente, todavia, é que, além de talento, Martins construiu admiradores importantes durante sua carreira, que o ajudaram em seus projetos mais complexos. “É um lindo filme, um exemplo de luta. Pouco interessa se a pessoa gosta ou não do João Carlos, o filme humaniza um pouco a área, porque a história é de superação. Esse é o grande mérito da obra”, conclui Viegas.
O Tempo

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