O Tempo
Leonardo Boff
PUBLICADO EM 11/08/17 - 03h00
A esse fato costuma-se chamar de “pegada ecológica da Terra”. Por ela, mede-se a quantidade de terra fértil e de mar necessários para gerar os meios de vida indispensáveis: água, grãos, carnes, fibras, madeira, energia renovável e outros. Dispomos de 12 bilhões de hectares de terra fértil (florestas, pastagens, cultivos), mas, na verdade, precisaríamos de 20 bilhões.
Como cobrir esse déficit de 8 bilhões? Sugando mais e mais a Terra…Mas até quando? Estamos lentamente descapitalizando a Mãe Terra. Não sabemos quando acontecerá seu colapso, mas, a continuar com o nível de consumo e desperdício dos países opulentos, ele virá com consequências nefastas para todos.
Quando falamos de hectares de terra, não pensamos apenas no solo, mas em tudo o que ele nos permite produzir, como, por exemplo, madeiras para móveis, roupas de algodão, tinturas, princípios ativos naturais para a medicina, minerais e outros.
Na média, cada pessoa precisaria para sua sobrevivência 1,7 hectare de terra. Quase metade da humanidade (43%) está abaixo disso, como os países onde grassa a fome: Eritreia (0,4 hectare) e Bangladesh (0,7). O Brasil, acima da média mundial, tem 2,9. E 54% da população mundial está muito além de suas necessidades, como EUA (8,2 hectares); Canadá (8,2) e Luxemburgo (15,8).
Essa sobrecarga ecológica é um empréstimo que estamos tomando das gerações futuras para nosso uso e desfrute atual. Quando chegar a vez delas, em que condições vão satisfazer suas necessidades de alimento, água, fibras, grãos, carnes e madeira? Poderão herdar um planeta depauperado.
Isso faz lembrar as palavras do indígena Seattle: “Se todos os animais acabassem, o ser humano morreria de solidão de espírito, porque tudo o que acontece aos animais logo acontecerá também com o ser humano. Tudo está inter-relacionado.”
O que vigora no mundo é uma perversa injustiça social, cruel e desapiedada: 15% dos que vivem nas regiões opulentas do Norte dispõem de 75% dos bens e serviços naturais e de 40% da terra fértil. Alguns milhões, quais cães famélicos, devem esperar as migalhas que caem de suas bem-servidas mesas.
O ecoeconomista Ladislau Dowbor, da PUC-SP, em seu livro “Democracia Econômica” (Ed. Vozes, 2008), resume em claras palavras: “Parece bastante absurdo, mas o essencial da teoria econômica com a qual trabalhamos não considera a descapitalização do planeta. Na prática, em economia doméstica, seria como se sobrevivêssemos vendendo os móveis, a prata da casa, e achássemos que, com esse dinheiro, a vida está boa, e, portanto, estaríamos administrando bem a nossa casa. Estamos destruindo o solo, a água, a vida nos mares, a cobertura vegetal, as reservas de petróleo, a cobertura de ozônio, o próprio clima, mas o que contabilizamos é apenas a taxa de crescimento” (pág. 123).
Essa é a lógica vigente da atual economia de mercado neoliberal, irracional e suicida. Radicalizando, eu diria: o ser humano está revelando-se o satã da Terra, e não seu anjo da guarda.
O Tempo
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