João Alfredo Lopes Nyegray*
E justamente quando achávamos já ter presenciado o máximo de tensões e surpresas possíveis para um curto espaço de tempo, veio a realidade e nos mostrou o contrário. Ainda nem chegamos à metade de 2020 e saímos da perspectiva de um conflito que poderia extrapolar as fronteiras do Oriente Médio, para uma pandemia temperada com o derretimento das bolsas de valores e das perspectivas de crescimento econômico por todo o mundo.
A COVID-19, motivo central das apreensões globais, começou a tomar os noticiários de forma tímida ainda em 31 de dezembro de 2019, quando as autoridades de saúde de Wuhan, reportaram 27 casos de uma ainda desconhecida pneumonia. Essa cidade de 11 milhões de habitantes na província de Hubei, antes de ser o ponto inicial do coronavírus, é um importante centro financeiro e industrial da China, produzindo equipamentos óticos, automóveis, siderúrgicos e vários outros produtos em setores essenciais para o crescimento e desenvolvimento do país asiático.
Cerca de um mês depois, o mundo todo se preocupava com o surto do vírus que já havia extrapolado as fronteiras chinesas, mas ainda não havia chegado ao Brasil. Então considerado uma epidemia – por definição “doença de caráter transitório, que ataca simultaneamente grande número de indivíduos em uma determinada localidade” –, o coronavírus já parava fábricas chinesas e colocava os moradores de Wuhan em quarentena. Com isso, ocorreu o óbvio: a retração do consumo e produção na China.
Na sequência, aqueles que dependiam de produtos, insumos ou manufaturados vindos da China estavam ou parando sua produção ou em vias de parar. Hoje, há uma falta de contêineres pelo mundo, uma vez que aqueles que foram para a China estão parados por lá, aguardando a normalização produtiva para retornar às águas internacionais. Aquilo que muitos viam como mais um problema “apenas chinês”, mostrou-se muito mais do que isso. Assim como muitos outros temas em Negócios e Relações Internacionais, a questão da saúde não pode ser enfrentada sozinha, por apenas uma nação.
Sendo o destino de exportações do mundo todo, e principal parceiro comercial de mais de 20 países – incluindo o Brasil –, a diminuição da atividade econômica chinesa preocupa o mundo todo. Se os chineses produzem menos, compram menos – em especial de nós. Obviamente, o mercado financeiro tem repercutido essas preocupações: enquanto em 23 de janeiro, o índice Ibovespa registrava a marca recorde de 119 mil pontos, um mês depois, em 26 de fevereiro, já havia caído para 105 mil pontos. Desde 6 de março, a Bolsa de Valores de São Paulo está operando abaixo dos 100 mil pontos e, a partir do dia 09, sucessivos circuit breakers têm parado os negócios para tentar acalmar os investidores.
De outro lado, para estimular as economias, bancos centrais e governos de dezenas de países – dentre os quais Brasil e EUA – têm anunciado o corte nas taxas de juros e pacotes de recuperação. Em meio à crise, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a COVID-19 trata-se de uma pandemia, ou seja, a expansão de uma patologia infectocontagiosa para todos os continentes. Algo que nem o mais alto dos muros poderia conter, e nem a mais forte linha fronteiriça.
As respostas foram imediatas: países declarando quarentena, toques de recolher e restrição de voos internacionais, especialmente aqueles vindos dos locais mais infectados. Foi o que fez Donald Trump ao suspender voos da Europa para os EUA, o que contribuiu para a drástica queda das ações das companhias aéreas. Na sequência, várias fronteiras foram fechadas numa tentativa de reduzir o fluxo e aglomeração de pessoas para conter a disseminação do vírus. Tais atitudes, é claro, possuem fortes impactos econômicos: reduzem o consumo, afetam a produção e contribuem para a volatilidade dos mercados financeiros.
Por aqui, o dólar também bateu recordes de alta, o que mostra que a moeda americana tem saído de nosso país em busca de destinos que sejam mais seguros. O mesmo vale para o Euro, que chegou a ser cotado a R$5,50. Ainda estamos há menos de 4 meses do surgimento dos primeiros casos do coronavírus e já são mais de 200 mil infectados, 8 mil mortes e muitas perguntas sem resposta. Os mais afetados são, além dos chineses, os italianos, iranianos, espanhóis e sul-coreanos. Enquanto médicos, infectologistas e cientistas de todo o mundo trabalham numa vacina, precisamos pensar no mundo pós-pandemia. Como as economias vão se comportar? Como iremos nos reerguer?
Outros pacotes de estímulo econômico certamente virão, mas ainda é cedo para apontar as áreas para as quais os incentivos serão mais necessários. As fronteiras internacionais, tão vigiadas e discutidas, mostraram-se insignificantes para o contágio – e nenhum problema desse tipo é de apenas um ou outro país.
Tentando manter os ânimos elevados, italianos confinados em regiões de quarentena penduram em suas janelas desenhos e faixas com a inscrição: “andrà tutto bene” (vai ficar tudo bem). Enquanto muitos fazem estoque de produtos a todos necessários, como álcool 70% e papel higiênico, outros tantos estão padecendo sem esses mesmos itens. Essa situação nos lembra de Yuval Noah Harari, autor do bestseller “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, que afirmou que, desde o princípio, o homem formou sociedades e passou a viver em agrupamentos por ser frágil demais para viver sozinho. No entanto, a “maior desgraça [ao ser humano] reside no fato de que ele ainda não aprendeu bem a viver em sociedade”.
Quem sabe, mais essa pandemia – e a história nos mostra que já foram várias, à exemplo do H1N1, em 2009 – sirva para, mais uma vez, nos ensinar (ou tentar) que muros ou fronteiras não bastam. Sejam grandes predadores ou microscópicos vírus, sem trabalho em conjunto e entendimento coletivo nada podemos superar. É o que a OMS tem feito, e deve continuar a fazer. Chegará um momento em que a COVID-19 será mais uma gripe, mais uma crise para os livros de história. Andrà tutto bene. Vai ficar tudo bem.
*João Alfredo Lopes Nyegray, doutorando em estratégia, mestre em internacionalização. Advogado formado em Relações Internacionais e especialista em Negócios Internacionais. Autor dos livros “Projetos Internacionais – estratégias de expansão empresarial” e “Legislação Aduaneira, negócios internacionais e Comércio Exterior”. Professor de Relações Internacionais, Comércio Exterior, Administração e Economia na Universidade Positivo.
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